São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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Crítica/"O Deserto Vermelho"

Antonioni apresenta sua realidade fugaz

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Estamos no início de "O Deserto Vermelho". Corrado (Richard Harris) e Ugo (Carlo Chinetti) conversam ao lado da fábrica quando uma espessa fumaça branca começa a sair. Ela toma toda a tela. Os homens, estáticos, ficam a observá-la.
A cena leva quase um minuto. Que outro cineasta, a não ser Michelangelo Antonioni, para nos fazer ficar a ver fumaça durante todo esse tempo? Talvez exista ali um sentido tão forte que nos mobiliza. Ele capta a matéria no instante de sua dissolução -a água passando ao estado gasoso.
Todo o tempo, nesse deserto, as coisas parecem em transformação, de tal modo que não podemos captá-las. As formas parecem sempre a caminho da dissolução. A realidade é impalpável -como uma nuvem.
É verdade que assim também é Giuliana (Monica Vitti). Em um extra do DVD, Antonioni refere-se a ela como "uma neurótica". Pode ser. Que ela não lida tranqüilamente com a realidade é evidente. Mas a realidade que vê Antonioni nunca parece ser mesmo tranqüila.
Monica, linda e estilhaçada -como nunca antes ou depois-, lida com esse mundo onde podemos ter a sensação de ouvir um grito. Mas, como o grito se perde, nunca saberemos se existiu. Os médicos dizem que o problema de Giuliana é "voltar à realidade". Mas "há algo de terrível na realidade, e eu não sei o que é", diz ela.
A realidade é difícil, para Antonioni. É fugidia. Talvez seja um produto da imaginação.
Trata-se de algo para pôr em dúvida. Podemos perguntar se aquilo que vemos atrás de Giuliana, quando ela passeia no cais, é mesmo um navio ou quadro abstrato. Não é Giuliana que precisa voltar à realidade, mas Antonioni. O problema é que ele não acredita nela tanto assim. Não, pelo menos, como algo com a fixidez suficiente para ser captada.
Foi seu último filme com Monica. Após esse papel difícil, ela cansou. Ele foi fazer "Blow up". Ambos ficaram mais alegres e soltos do que neste lindo e soturno "Deserto".


O DESERTO VERMELHO     
Direção:
Michelangelo Antonioni
Distribuidora: Versátil (R$ 38)


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