São Paulo, quarta, 18 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO
Vera Atarxo reúne obra de Plínio Marcos

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Vera Artaxo e seu marido Plínio Marcos


MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Para comemorar os 40 anos de carreira do dramaturgo, ex-palhaço e ex-jogador de futebol Plínio Marcos, 62, o "figurinha difícil" do teatro brasileiro, a Funarte patrocina a publicação de sua obra teatral.
Por trás da organização do projeto, que resultará em três volumes a serem publicados em outubro, está sua mulher, a jornalista Vera Artaxo, 45. "Só ela seria capaz de organizar toda a papelada e de escrever a minha biografia", disse Marcos à Folha.
Ele conta que muitos já tentaram biografá-lo, como o historiador Quartim de Morais. "Mas, quando chega na vida amorosa, eu paro de falar. Não interessa saber quem eu comi. Isso não é relevante na minha obra", justifica o autor, que estreou com a peça "Barrela", escrita em 1958.
Serão publicados 19 textos teatrais. Alguns inéditos, como o monólogo "O Homem do Caminho" e "Chico Viola", sobre Francisco Alves, reescrito recentemente.
Cada texto virá com biografia e material iconográfico, como as capas de livros feitas pelo irmão Flávio Roberto, fotos do treino do time de futebol Jabaquara e uma foto inédita de Plínio Marcos com o dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).
"O que importa é saber como e por que foram escritas as peças. E qual o contexto histórico delas. Vamos falar da vida do Plínio e do Brasil", explica Artaxo.
Seu trabalho não é nada simples. Plínio Marcos, que escreve seus textos à mão, não é um modelo de organização. Originais estão com amigos. Ele pouco se importou em guardar artigos publicados sobre seu trabalho.
Nem sabe, ao certo, quantos livros já publicou e em quais editoras. Perdeu, há tempos, contato com seus amigos do circo, onde começou.
"Ele jogou muita coisa no lixo, incluindo os prêmios que ganhou", conta Artaxo -é notório que Plínio Marcos, assim que recebe um prêmio, entrega-o para a primeira pessoa que vê.
"Sorte que a Walderez (de Barros, atriz e ex-mulher do dramaturgo) tinha muita coisa arquivada. Nós até mudamos de casa, diante de tanto papel. Seu testemunho, como o de Sábato Magaldi e outros, serão fundamentais", diz Artaxo.
No meio da papelada, o casal encontrou o esboço da peça "Seja Você Mesmo". Imediatamente, Plínio Marcos resolveu escrevê-la.
Tônia Carreiro será chamada para falar de "Navalha na Carne". Outro testemunho que entrará na obra é o do advogado Iberê Bandeira de Mello. "Ele fez uma defesa lindíssima, quando a peça "Abajur Lilás' foi censurada. Vamos publicá-la, para falar do Brasil da época", afirma Artaxo.
Mitos e tabus
A jornalista diz que tem total liberdade para escrever. Diz que o único pedido do marido foi não incluir o texto "Reportagem de um Tempo Mau". "É muito ruim, não vamos pôr", justifica Plínio Marcos.
Artaxo quer também derrubar alguns tabus em torno do mito que se criou ao redor de Plínio. Ela afirma que o "teatro místico" do marido e seu interesse pelo tarô não são recentes, mas uma herança dos tempos de circo.
Afirma que seu marido aprendeu a escrever diálogos também no circo e que muito de sua inquietação se deve ao fato de um detalhe que passaria desapercebido: Plínio Marcos é canhoto.
"Ele largou a escola depois de repetir três vezes, pois a professora obrigava os canhotos a escrever com a mão direita. Foi para o circo e foi jogar bola, onde não havia resistência contra os canhotos. Lá, conheceu o material de sua obra", conta Artaxo.
Sabe-se que uma peça é transformado do papel ao palco, quando elenco e diretor interferem. Qual será publicado? "De preferência, o do palco", diz Plínio.
E existe registro? Não precisa. O "desorganizado" Plínio Marcos começa a recitar "Barrela". Ele sabe de cor a maioria de seus textos.
"Ele tem uma memória maravilhosa, apesar de que, hoje em dia, nem ele sabe mais o que é mentira e o que é verdade. O bom contador é mentiroso. Só recentemente, eu soube que a história do peido é mentira", disse Artaxo.
Plínio Marcos costuma contar que já foi preso por fazer uma palestra defendendo o "peido livre" e a "subversão por meio do peido".
"Já não sei o que é verdade ou mentira. Costumava pedir dinheiro para dar entrevistas. O cara ficava indignado. Então, eu dizia que, se ele pagasse bem, eu contava uma história maravilhosa a meu respeito", lembra Plínio.
A história de "Barrela", seu texto de estréia, é uma atração à parte. A atriz e musa dos modernistas Patrícia Galvão, a Pagu, chamou o palhaço Plínio Marcos para atuar em sua peça, em Santos.
"Ela gostava de uma birita. Fomos beber, e eu disse que tudo aquilo era uma droga. E então tirei do bolso a minha peça. Ela leu na hora e se perguntava, eufórica, como um semi-analfabeto escreve aquilo?", lembra Plínio.
Um artigo no jornal "Tribuna de Santos", assinado pelo professor Rajá (pseudônimo de Pagu), foi o estopim da carreira de Plínio.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.