São Paulo, Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TEATRO
Reedição de livro celebra o centenário do professor russo, que propagou as idéias de Stanislávski no Brasil
"Ator e Método" lembra 100 anos de Kusnet

Reprodução
O ator Eugênio Kusnet no papel de Bessemenov, em cena da peça 'Pequenos Burguese', de Górki


da Reportagem Local

A reedição do livro "Ator e Método", que estava esgotado, foi o marco isolado do centenário do ator e professor de interpretação Eugênio Kusnet, dia 29 de dezembro. Ele foi o propagador das idéias do russo Stanislávski no Brasil.
Ator do TBC, Teatro de Arena e Teatro Oficina nos anos 50 e 60, o também russo Kusnet (1898-1975) não foi o primeiro a trazer os conceitos de Stanislávski ao país, mas marcou o teatro pela divulgação em cursos e livros e na preparação dos atores nas companhias.
Após breve carreira, de 1951 a 67, Kusnet escreveu "Iniciação à Arte Dramática" (68) e "Introdução ao Método da Ação Inconsciente" (71), revisados em "Ator e Método" (76, Inacen; 98, Funarte).
Em "Ator e Método", escreveu: "Não sou nenhum "especialista em Stanislávski", nunca fui seu aluno. Sou apenas um dos muitos pesquisadores que procuram, na medida do possível, ser úteis aos que se interessam pelo trabalho de teatro".
Lecionou interpretação no Oficina, onde formou uma geração de atores, na PUC-SP, na Universidade Mackenzie e na União Cultural Brasil-União Soviética. Sua influência chegou à TV: um ex-assistente levou suas técnicas para a formação de atores da Globo e SBT, como Ana Paula Arósio.
Colegas e discípulos lembram de Kusnet como ator de estrita construção formal dos papéis e intenso realismo -mas grande comunicação. "Foi nosso mestre", diz Etty Frazer, que atuou com ele em "Pequenos Burgueses". "E era muito bom ator. Éramos tietes dele."
O diretor José Celso Martinez Corrêa descreve a visão que Kusnet tinha das idéias de Stanislávski: "Ele combatia muito o Stanislávski mal interpretado. Buscava a emoção, sim, mas com pauta de ação, no texto. A palavra fundamental dele era ação. "Agir, agir, agir." Tinha horror à autopiedade".
Eugênio Shamanski Kusnetsov -seu nome completo- nasceu no sul da Rússia. Estudou teatro e canto e atuou em peças amadoras até entrar para o exército czarista em 1916, na Primeira Guerra Mundial. "Até 1920, eu só sabia matar", disse, em depoimento ao Serviço Nacional de Teatro, em 75.
Kusnet, descrevem Zé Celso e Etty Frazer, era "russo-branco", ou bielo-russo. Teria combatido o Exército Vermelho após a guerra, chegando a ser ferido, o que o levou a mancar levemente o resto da vida. Era cristão ortodoxo.
Em 1920, iniciou a carreira de ator "fora das fronteiras" russas, em países como Finlândia e Estônia (só incorporada à União Soviética em 40), mas em teatros de língua russa. "Durante sete anos, a influência de Stanislávski foi permanente", disse. "Ainda não havia nada escrito, apenas alguns artigos. O que nos serviu de exemplo foram espetáculos do Teatro de Arte de Moscou (de Stanislávski)."
Chegou ao Brasil em 27. Segundo o próprio Kusnet, emigrou porque os teatros da Estônia e outros países "nacionalizaram" o repertório e a língua no palco -e ele passou a ter poucas chances de trabalho.
A volta ao teatro demorou, no Brasil. Em 33, participou de um espetáculo no Teatro de Experiência, de Flávio Carvalho, interpretando "canções expressionistas". Era barítono. No fim dos anos 40, conheceu no Rio o diretor polonês Ziembinski, que o levaria logo depois para atuar em "Paiol Velho" (51), já no TBC, em São Paulo.
Sucederam-se espetáculos históricos como "Seis Personagens à Procura de um Autor", direção de Adolfo Celi (TBC, 51), e "Eles não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri (Arena, 58). Kusnet esteve na primeira montagem de Bertolt Brecht no Brasil, "A Alma Boa de Setsuan" (Teatro Popular de Arte, 58), e em toda a fase "russa" do Oficina: "A Vida Impressa em Dólar" (61), "Pequenos Burgueses" (63), "Os Inimigos" (66).
Recebeu prêmios de interpretação pelo filme "Sinhá Moça" (Cia. Vera Cruz, 53) e pelas peças "A Alma Boa de Setsuan" e "Pequenos Burgueses". Nessa última, atuou durante durante anos como Bessemenov, em sua interpretação mais memorável. (NELSON DE SÁ)




Texto Anterior: Teatro: Nova 'Deus lhe Pague' para o velho Procópio
Próximo Texto: Quem foi Stanislávski
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.