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Updike volta
Jill Krementz/Reprodução
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O escritor John Updike, 64, em foto do livro "The Winter's Desk", da fotógrafa Jill Krementz |
Autor de "Coelho Corre" e "Bech is Back" fala à Folha sobre "Bech no Beco", que sai agora no Brasil
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CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local
Um título óbvio para uma artigo em inglês sobre "Bech at Bay",
de John Updike, seria "Updike is
Bech". Aí estariam as duas informações básicas sobre o livro que o
escritor publicou em 1998 nos
EUA e que chega esta semana às
livrarias brasileiras, como "Bech
no Beco", editado pela Companhia das Letras.
Updike já havia escrito dois livros protagonizados pelo escritor
"semiobscuro e judeu" Henry
Bech. O primeiro em 1970, o segundo, em 1982.
Bech estava de volta ("was
back"). E ninguém revela mais sobre John Updike do que o personagem. Ou seja, Updike, de certa
forma, é Bech ("Updike is Bech").
Agora o célebre alter ego de Updike, o mais importante deles, ao
lado de Harry "Coelho" Angstrom (personagem de quatro romances), chega ao Brasil,.
Com idades oscilantes entre 63
anos (no primeiro dos cincos episódios, "Bech em Tcheco") e 74
anos ("Bech e a Prodigalidade da
Suécia"), o escritor termina o livro casado, tendo uma filha e um
Prêmio Nobel de Literatura.
Se aproxima assim de seu criador, que, aos 64, também é casado
e pai, e que, se não levou até hoje o
prêmio sueco, já colecionou todas
as outras honrarias literárias que
valham mais do que uma medalha de honra ao mérito (do Pulitzer ao National Book Award).
As costuras entre o que é Updike e o que é Bech estão em todas
as esquinas dos cinco contos de
"Bech no Beco". Mais que nada,
estão no humor sardônico de ambos, que é associado a uma postura literária de busca dos tempos
perdidos, de procura dos pequenos elementos do cotidiano.
"Passei a vida cuidando do meu
clima interior e da minha vizinhança imediata", escreve Bech. E
seu par Updike diz à Folha:
"Acho que para ser um romancista é preciso querer colocar algo de
sua vida em seus livros. Olhe para
Proust, olhe para Joyce, olhe para
Machado de Assis. Escrevem ficção, mas com algo de confissão".
Updike ganha de Bech em volume e em qualidade de confissões.
A criatura escreveu sete livros. O
criador completou, com a recém-lançada novela "Gertrude and
Claudius", a marca de 50 obras.
Essa montanha mágica de romances, poemas, ensaios, resenhas e qualquer outra forma de
organização de letras em textos
pode não garantir a Updike o posto de "o" melhor escritor norte-americano. Mas ninguém produz
tanto tão bem como o estilista
Updike. Nem mesmo Bech.
Em "Bech no Beco", Updike dá
uma pista de uma de suas características: não gosta de entrevistas.
""Eu detesto entrevista pra jornal",
disse Bech. "Leva o maior tempo,
você fica bem relaxado, fala demais, aí eles crucificam você publicando o que dá na veneta deles", escreve Updike.
Seja lá como for, aqui vai uma
entrevista com Henry Bech, ops,
com John Updike.
Folha - Oi, gostaria de falar
com o sr. Henry Bech?
John Updike - (Risos) É ele falando (risos).
Folha - Olá sr. Updike, gostaria
de falar sobre o personagem
Henry Bech, protagonista de
"Bech no Beco", que está sendo
lançado no Brasil. Como o sr. o
definiria?
Updike - Ele é como um alter
ego meu. Bech é a pessoa que eu
seria se tivesse nascido judeu, não
fosse casado e morasse em Nova
York. É uma invenção do tempo
em que eu queria escrever sobre
escritores.
Folha - Quando Bech, que já
teve contos ambientados na
Tcheco-Eslováquia, Suécia, Bulgária etc., vai visitar o Brasil?
Updike - Ele nunca foi, não é
mesmo? Que vergonha. Tenho
que arranjar isso. Estou certo de
que ele gostaria do Brasil, do mesmo modo como eu gostei.
Folha - As duas últimas palavras de "Bech no Beco" são "bye
bye". O seu alter ego está se
despedindo dos leitores depois
de estrelar três livros, ou você
realmente pretende fazê-lo passear por locais como o Brasil?
Updike - Eu fiz algo muito estranho. Não muitos meses depois
de terminar "Bech no Beco", eu
escrevi mais uma estória com
Bech, publicada na "New Yorker". Ele não está morto, não está
nem ao menos doente. Ele só está
ficando mais velho, como todos
nós. Está em boa saúde, então não
gostaria de dizer que é o fim de
uma saga. Talvez ele ainda apareça por aí.
Folha - Mas Bech já declarou
que cada vez mais se sente como "um experimento com substâncias químicas que estavam
prestes a ser despejadas na
pia", não?
Updike - (Risos) Onde mesmo
eu escrevi isso? Ah, lembrei, é
uma citação de H.G. Wells.
Folha - E com que frequência o
sr. costuma ser atormentado
por esse tipo de sentimento?
Updike - Eu li essa frase de Wells
quando era criança e desde então
acho apavorante essa descrição
da morte. Ela é tão absoluta e somos tão provisórios. Eu não conseguia aceitar isso. Ainda não
consigo. E cada vez mais me sinto
como um experimento cujos químicos serão despejados no ralo.
Folha - Até que ponto isso tira
seu prazer de escrever? Bech diz
que para escrever é necessário
se divertir com isso. O sr. consegue mesmo depois de 50 livros?
Updike - Eu me divirto, uns dias
mais do que outros, mas sempre
tento me lembrar que é fundamental se divertir ao escrever. Às
vezes chega a parecer que é um
negócio. Você fica sem saber muito bem o que está fazendo. E às vezes talvez não tenha tanto prazer
na escrita como há 40 anos. Mas é
uma espécie de brincadeira para
mim. E sempre penso: se eu não
me divertir escrevendo, como o
leitor poderá se divertir lendo?
Folha - O sr. concorda com
Bech, que escreve que "a importância não tem importância"?
Updike - Sim. Ele dizia isso
quando tentava escrever o discurso para a noite em que fosse receber o Prêmio Nobel, e nada era
bom o suficiente. Acredito que o
que é frequentemente descrito como importante na carreira de um
escritor, como eventos grandiosos, prêmios notáveis, não é realmente de grande valia. Importante é o extrato e a beleza dos dias
comuns, em que não há nada de
excepcional. Penso que o escritor
deve acreditar que a experiência
cotidiana é mais importante de
tudo. É importante o que é real.
Folha - Falando sobre o que é
real e o que é criação, como é a
relação do sr. com Bech, sua
criatura?
Updike - Ele foi criado no final
dos anos 60, acho que pela minha
necessidade de escrever sobre
Nova York, uma cidade que eu
adoro, apesar de nunca querer
morar lá. Criei pra escrever sobre
a estranheza que é a devoção aos
criadores, em especial aos escritores. Ninguém realmente precisa
deles. Se todos os escritores fossem exterminados, o mundo continuaria o mesmo.
Folha - Bech mora em Nova
York, e escreveu apenas sete livros. O sr. chega agora ao 50º.
Como consegue produzir tanto?
Updike - Eu não ensino, como
fazem muitos escritores. Isso tira
muito da energia. Não tenho desculpas para não sentar todos os
dias em meu escritório pelo menos das 9h até as 13h. Nesse tempo, é possível escrever umas três
páginas. No final do ano, essas folhas acabam tomando um grande
volume. Quando me mudei para
a Nova Inglaterra (EUA), assumi
um compromisso comigo de produzir um livro por ano, ainda que
um pequeno volume de poesias.
Estou quase cumprindo isso.
Folha - E existe algum plano
de mais um grande romance?
Updike - Gostaria muito. Em
menos de um ano quero limpar
minha mente, minha mesa e escrever algo mais longo e ambicioso. Mas ainda não sei sobre o quê.
Folha - E o que o sr. está escrevendo agora?
Updike - Acabo de enviar pelo
correio um resenha sobre uma
nova biografia de Marcel Proust.
Foi o primeiro grande escritor
que li. E me apresentou um novo
modo de escrever. O jeito dele é o
jeito certo de escrever. Acho que
só por isso fiz essa resenha. Estou
soterrado em tarefas. Acho que
"Bech no Beco" é um pouco sobre
isso. Quando o escritor deve fazer
seu trabalho, quando deve se calar. Mas não é de minha natureza
me calar. Acho que vou ter de esperar que alguma doença o faça.
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