São Paulo, sábado, 18 de março de 2000


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OSCAR 2000
Documentário sobre ataque terrorista durante a Olimpíada de 72 concorre ao prêmio do gênero
"Setembro Negro" vira thriller-realidade

Reprodução
Foto feita após o ataque conhecido como "Setembro Negro", em que morreram atletas israelenses participantes dos jogos de 72


AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

O melhor documentário indicado ao Oscar deste ano não deve levar o prêmio. Não se trata de "Buena Vista Social Club"", a bela homenagem de Wim Wenders à musica cubana, que entra em cartaz em São Paulo na próxima sexta. Wenders tem as duas mãos na estatueta. O provável injustiçado é "One Day in September" (Um Dia em Setembro).
Seu jovem realizador, o escocês Kevin Macdonald, 31, elevou a novo patamar o raro gênero do documentário narrado como "thriller".
"One Day in September" reconstitui o trágico ataque de oito terroristas palestinos à delegação de atletas israelenses na Vila Olímpica de Munique durante os jogos de 1972.
Batizado "Setembro Negro", o grupo transformou esportistas de Israel em reféns, exigindo a libertação de 200 militantes revolucionários presos pelo mundo afora.
Depois de uma jornada de tensas negociações, o sequestro terminou com um sangrento confronto num aeroporto. No começo da madrugada, a contagem de medalhas foi substituída pela de mortos: onze reféns israelenses, cinco terroristas palestinos, um policial alemão.
Macdonald caçou as mais reveladoras imagens de arquivo para recompor a dramática evolução do sequestro. Entrevistou protagonistas, testemunhas e familiares das vítimas.
Seu maior triunfo foi extrair o primeiro depoimento do único membro ainda vivo do comando palestino que manchou de vermelho a história olímpica, Jamal Al Gashey, localizado em "algum lugar da África".
"One Day in September" incita à polêmica ainda ao apresentar a tese de que foi uma farsa o sequestro de um avião da Lufthansa que, sete semanas após o ataque, levou à libertação dos três agressores palestinos que sobreviveram ao confronto e ficaram presos na Alemanha.
Apesar de co-produzido pelo multi-oscarizado Arthur Cohn ("Central do Brasil") e narrado por Michael Douglas, o filme de Macdonald tem remotas chances de premiação. Foi o último a ficar pronto e o menos visto dentre os cinco indicados. É o único a permanecer comercialmente inédito nos EUA. Não surpreende, assim, que seja também o único a não ter sido ainda resenhado pelos grandes jornais, "The New York Times" à frente.
Horas depois de participar em Los Angeles do almoço com os indicados ao Oscar, Macdonald concedeu por e-mail a seguinte entrevista à Folha.

Folha - O que o levou, depois de uma série de documentários sobre cineastas, a fazer um filme sobre o ataque terrorista durante a Olimpíada de 1972 em Munique?
Kevin Macdonald -
Eu queria fazer um documentário que funcionasse no cinema. Para isso, procurei um tema que contivesse tensão, drama e uma linha narrativa. Nosso objetivo era fazer talvez o primeiro "thriller documentário". "JFK", de Oliver Stone, foi um modelo estilístico. Mas, no lugar de Kevin Costner, tivemos entrevistas com os reais participantes. Fiquei obcecado pela história tão logo encontrei Ankie Spitzer, a viúva que empresta o esqueleto emocional da trama.

Folha - Quais foram as principais fontes de material filmado na Vila Olímpica?
Macdonald -
Nós contatamos todos os arquivos do mundo que acreditávamos poder ter algum material sobre o ataque terrorista. Por fim, reunimos material de 30 arquivos. Os principais foram o da TV norte-americana ABC, com as reportagens ao vivo de Jim McKay, e imagens do filme oficial da Olimpíada.

Folha - Antes de começar as filmagens você já conseguira a entrevista com Al Gashey?
Macdonald -
Não. Sabíamos que ele estava vivo e que um jornalista que tentara entrevistá-lo havia falhado. Eu só tinha esperanças algo ingênuas, sabendo que ele seria peça fundamental no filme. Para contatá-lo encontramos um jornalista do Oriente Médio que crescera com ele e em quem ele ainda confiava. Negociamos oito meses até Al Gashey concordar com a entrevista.

Folha - Os terroristas consideravam um ataque à Vila Olímpica uma boa publicidade para a causa palestina?
Macdonald -
Sim, totalmente. E estavam certos. Munique pôs os palestinos no mapa - mas talvez não da forma por eles pretendida. Todo aquele derramamento de sangue, creio, não foi intencional. Tampouco ajudou a imagem palestina.

Folha - O grupo de Gashey tinha alguma conexão com a OLP (Organização para Libertação da Palestina) e Yasser Arafat?
Macdonald -
Sim, claro, embora eles tenham na época negado qualquer envolvimento e continuem a fazê-lo hoje. Alguns dos líderes do Setembro Negro trabalham atualmente em importantes cargos do governo palestino. O líder do Setembro Negro era Abu Lyad, que na época era o vice de Arafat.

Folha - Houve alguma manifestação oficial do governo alemão sobre a tese de que o sequestro do vôo da Lufthansa teria sido uma farsa para livrar a Alemanha dos riscos de novos ataques?
Macdonald -
Não, o filme ainda não foi exibido na Alemanha. Prevejo grande controvérsia quando isso acontecer. Já houve alguma publicidade negativa do filme lá, escrita por jornalistas que não falaram ou mesmo que nem viram o filme. É claro que não afirmo categoricamente no filme que o sequestro foi uma farsa. Dizemos apenas que "uma fonte palestina envolvida no sequestro (do avião) nos contou" que a farsa ocorreu. Procurei ser cuidadoso em não defender uma nova versão dos fatos que não estive substanciada.

Folha - Seu filme, afinal, chegou aos cinemas?
Macdonald -
Ele estréia em maio nas salas inglesas, o que é muito raro para um documentário! Em setembro, durante a Olimpíada de Sydney, a BBC irá mostrá-lo na TV. Não temos ainda distribuidor nos EUA, mas a Sony Classics e a Universal fizeram propostas e esperamos fechar logo um acordo.


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