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São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

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Personagens e cenários já sumiram

DA REPORTAGEM LOCAL

"Era outra marginalidade, outra polícia, outra Boca", resume Percival de Souza, 59, 35 anos de jornalismo policial, que acompanhou a "carreira" e esteve várias vezes com Hiroito Joanides. Souza escreveu o prefácio original de "Boca do Lixo", em 1977, que está mantido na reedição.
"Havia um lado fascinante na Boca. Lugares como o restaurante Tabu, onde aliás se servia ótima comida, em que conviviam cafetões, prostitutas e policiais. Por outro lado, os criminosos mais destacados faziam questão de estar na região. Foi nesse cenário que Hiroito se destacou e se tornou lenda", lembra o jornalista.
Para Percival de Souza, o livro "Boca do Lixo" é até hoje uma contribuição forte, pelo retrato que faz de personagens e cenários que não existem mais. "Não me lembro de alguém, do quilate criminal dele, escrevendo um livro até então. Teve grande impacto."
Souza se viu em situação inusitada com Hiroito Joanides em 1977. "A Faculdade de Ciências Sociais da USP nos chamou para uma palestra. Mas ele era o conferencista, e eu, um debatedor", diverte-se o jornalista.
Souza tem uma explicação para o fato de Hiroito ter 172 passagens pelos DPs: "A polícia fazia prisões em massa, sem dar satisfações, e colocava todo mundo na cadeia por uns dias. Depois soltava".
Uma das cenas inesquecíveis presenciadas por Percival de Souza na Boca foi uma das muitas batalhas entre policiais e prostitutas. "A polícia chegava com vinte ou trinta camburões para prender todo mundo. As prostitutas começavam a jogar das janelas penicos cheios de fezes e urina. Os policias, então, invadiam os apartamentos e quebravam as camas e armários a golpes de marreta. Depois, jogavam tudo na rua."
Em 1977, quando Hiroito estava preso há 12 anos, Percival de Souza recebeu a visita de Zenaide, sua mulher. O rei da Boca queria que o jornalista escrevesse um prefácio para o livro que havia concluído. Souza não pensou duas vezes. "Nunca recusei pedido de preso. Já fui em penitenciária fazer palestra, dar pontapé inicial em jogo de futebol e até ser padrinho de casamento."
Mas se Hiroito esperava apenas elogios, recebeu também cutucões no prefácio de Souza: "Virulento com os meios de comunicação, principalmente porque lhe imputaram certa feita a pecha de parricida, Hiroito é extremamente suave com o delegado que o acusou de ser o autor da morte do próprio pai. (...) É inegável que existem fatos lamentáveis. Mas é inegável, também, que muitas pessoas não lamentam esses fatos, mas tão-somente a sua divulgação. Uma miopia social". (IF)


BOCA DO LIXO. Autor: Hiroito de Moraes Joanides. Editora: Labortexto Editorial (tel. 0/xx/11/3664-7500). Quanto: R$ 29,90 (264 págs.)


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