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FESTIVAL
Retrospectiva do diretor começa amanhã no Cinesesc e no Sesc Santo André com, entre outros, 'O Bebê de Rosemary'
Polanski imprime seu temperamento aos gêneros
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Na coxia, paramentado com
uma sobrecasaca do século
18 e uma peruca, Roman Polanski
escuta os sussurros da platéia
francesa. Está prestes a realizar
um de seus sonhos, o de encarnar
o Mozart da peça de Peter Shaffer
("Amadeus"), mas sua cabeça
dispara em direção contrária, de
volta aos tempos da guerra e do
gueto da Cracóvia, aos muros que
fizeram sua infância clandestina.
Era assim que Polanski, cuja
obra é alvo da retrospectiva que se
inicia (com a presença do autor)
no Cinesesc, abria sua autobiografia, "Roman de Polanski", escrita precocemente no início dos
anos 80, quando, em crise de confiança e dando por favas contadas
sua carreira de cineasta, o polonês
cinqüentão voltou-se para sua
paixão de juventude, o teatro.
"Desde quando posso me lembrar, a linha entre a fantasia e a
realidade tem estado irremediavelmente embaçada." Era a primeira frase de um livro concebido
em parte para responder aos estigmas do personagem de mídia
em que se transformara após sucessivos escândalos -o assassinato, depois das filmagens de "O
Bebê de Rosemary", de sua mulher, Sharon Tate, pela seita satânica de Charles Manson, a expulsão dos Estados Unidos sob a acusação de corrupção de menor.
A frase serve para nos lembrar
de que, nos filmes de Polanski, especialmente os escritos a quatro
mãos com Gérard Brach (o outro
pólo da longeva dupla "bralanski"), a linha que separa o real do
imaginário é traçada pelo périplo
de personagens que vão sempre
de um cenário secundário, que representa a exterioridade e a impessoalidade da vida, a um cenário central (umbilical e personalizado) onde sucumbem à fantasia
e ao medo.
Relações
Essa relação real/imaginário
obedece, portanto, a uma concepção espacial, a uma relação alto/
baixo que já se encontra esboçada
em "Quando Caem os Anjos"
(1959), seu curta de formatura na
célebre Escola de Lodz.
O cenário secundário (o salão
de beleza de "Repulsa ao Sexo", a
estalagem de "A Dança dos Vampiros", a planície de "Armadilha
do Destino") está sempre abaixo
do central (um apartamento, um
castelo). Entre um (mundo de
consciência) e outro (de inconsciência), há uma subida, a rampa
de "Armadilha", o caminho de
neve de "A Dança", o elevador ou
as escadas nos filmes da "trilogia
de apartamento" -"Repulsa",
"O Bebê de Rosemary" e "O Inquilino".
Subida que não faz mais do que
prenunciar a vertigem da queda,
tal é a história do (duplo) suicídio
de "O Inquilino", em que Polanski (também um grande ator) testa
consigo mesmo os exercícios de
neurose aplicada típicos de seus
"filmes de apartamento".
A decadência dos casais ("Armadilha", "Lua de Fel"), os resquícios de puritanismo paranóide
das mocinhas modernas: limitados a quatro paredes, os personagens polanskianos tendem a sucumbir à vertigem das mais diversas (e, no fundo, as mais comuns)
patologias psicossexuais.
Escola de Lodz
Polanski encena (no que constitui o melhor de seu estilo) uma
evolução formal para esse processo de degradação (psíquica) dos
personagens ao emprestar aos
seus objetos de cena dimensões
cada vez mais simbólicas. Talento
que mais deve à Escola de Lodz.
Em Lodz, Polanski aprendeu a
priorizar os elementos visuais do
cinema, o que lhe possibilitou se
afirmar mais tarde como um autor de cinema no sentido clássico
(hollywoodiano) do termo, isto é,
um realizador capaz de imprimir
o seu temperamento aos mais diversos materiais e gêneros, formalmente, pela "mise-en-scène".
A subversão que faz do roteiro de
Robert Towne em "Chinatown",
sua obra-prima ausente na mostra, é a maior prova.
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