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"A VIDA É UM MILAGRE"
Anarquia de Emir Kusturica tropeça em excessos
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
A premissa de "A Vida É um
Milagre" é ótima. Uma cidadezinha nas montanhas entre a
Bósnia e a Sérvia decide erguer
uma ferrovia para ligar as duas
Repúblicas da antiga Iugoslávia
-idéia que seria excelente, se não
fosse pouco antes da explosão da
guerra nos Bálcãs, em 1992.
O idealismo representado pela
construção da estrada em contraposição à realidade do conflito armado é a mola mestra deste filme
do iugoslavo Emir Kusturica, que
já abordara a efervescência da região em "Underground", Palma
de Ouro em Cannes em 1995.
Esse choque está presente em
dois personagens: Luka (Slavko
Stimac), idealizador da ferrovia e
cego ao confronto que se aproxima, e seu filho, Milos (Vuk Kostic), goleiro obrigado a desistir da
carreira para se alistar. Ao passo
que Luka concentra atenções na
obra, a iminência da guerra invade aos poucos o cotidiano do vilarejo, e o conflito eclode no dia da
inauguração da ferrovia.
Kusturica recorre ao estilo que
construiu ao longo de sua carreira: uma narrativa quase anárquica, sobrepondo situações que flertam com o realismo mágico, e
muita música cigana (já forte em
"Gato Preto, Gato Branco", 98).
Há uma certa sensação de déjà vu,
mas esse não é o maior problema.
Ao contrário desses dois projetos anteriores, aqui o cineasta perdeu a condução da trama. Em
longos 155 minutos, optou por
manter esquetes de resultado duvidoso a dar mais unidade à obra.
Síntese disso é a passagem do
jogo de futebol, em que a partida
na qual Milos atua é interrompida
por sua mãe, que resolve demonstrar seus dotes de cantora lírica.
Arrastada, não acrescenta nada à
trama e teria feito um bem se amputada na mesa de montagem.
Ainda assim, há bons momentos, como a seqüência inicial de
"revolução dos bichos": o burro
de um fabricante de caixões que
empaca no meio do trilho da ferrovia (apaixonado e não correspondido, tenta o suicídio), o cachorro que salta dentro do carro
do prefeito na hora em que este
toma seu café da manhã, a dupla
de ursos que invade uma casa e
destrói tudo o que vê pela frente.
OK, para a composição da história, é outro trecho cortável, mas
aqui as piadas funcionam.
Com essa opção pelo excesso,
tão típica de Kusturica, a construção dos personagens acontece aos
trancos. A enfermeira, por exemplo, jogada numa cena, torna-se
no final personagem essencial.
A Vida É um Milagre
Zivot Je Cudo
Produção: Iugoslávia/França, 2004
Direção: Emir Kusturica
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Jardim Sul e circuito
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