São Paulo, quarta-feira, 18 de abril de 2001

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LITERATURA

Fonseca traz humor e escatologia

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais uma do recluso escritor mineiro José Rubem Fonseca, 76. Dessa vez, a sua melhor arma, o conto, associado a lascas de um humor escatológico.
Acaba de sair "Secreções, Excreções e Desatinos", livro com 14 histórias daquele que tem quatro contos ("A Força Humana", "Passeio Noturno", "Feliz Ano Novo" e "A Confraria dos Espadas") incluídos na obra "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" (editora Objetiva).
"Por que Deus, o criador de tudo o que existe no Universo, ao dar existência ao ser humano, ao tirá-lo do Nada, destinou-o a defecar?", pergunta o autor no conto "Copromancia", que abre o livro. O narrador passa a observar as suas fezes no vaso sanitário. Tenta desenhá-las, tira fotos de uma Polaroid, monta um álbum, estuda seus olfatos e formas e então é capaz de interpretar os sinais que aquelas fezes fornecem: faz perguntas prévias e busca as respostas observando o excremento.
Na onda de muitas correntes esotéricas que interpretam sinais obscuros, o narrador criou uma, a copromancia, uma referência irônica a tantas doutrinas que mobilizam leitores e dominam o mercado literário atual.
O maior mérito de Fonseca é que ele profissionalizou-se sem apelar ou cair em modismos, inventou o seu estilo e se impôs. O que isso significa?
Significa que ele é daqueles sujeitos invejáveis, que escrevem todos os dias roteiros e livros, biografias e romances, contos e novelas, e no final do mês recebem um "doc" de uma boa editora em sua conta bancária, sem publicar livros de auto-ajuda.
Fonseca é bom de gatilho e atira em diversos gêneros. Vai de Carlos Gomes ("O Selvagem da Ópera") a Molière ("O Doente Molière", livro feito sob encomenda). Viu o suicídio de Getúlio, um dos períodos mais conturbados e obscuros da história brasileira, refletido nas retinas de um detetive secundário ("Agosto").
Foi identificado, recentemente, como o roteirista JRF dos filmes de antipropaganda comunista financiados pelo Ibade (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento), que antecederam o regime militar; regime que, posteriormente, fez dele uma de suas vítimas, censurando "Feliz Ano Novo".
Já foi aclamado o maior escritor brasileiro em atividade. No entanto alguns críticos apontam citações excessivas e descontextualizações em suas obras. Por vezes, o escritor de estilo seco e direto se perde em erudições digressivas, como se quisesse provar algo a alguém; vale lembrar que o gênero policial perdeu o estigma de literatura comercial e ganhou status de alta literatura recentemente. O autor joga com seus narradores e com os leitores machadianamente. Está no limite do mau gosto e do grotesco. Exemplo?
A flatulência é o tema de seu conto "Vida": "(...) os flatos ao serem expulsos dão-me um grande prazer que se manifesta no meu rosto...".
É curioso como um peido muda uma relação. Ele faz os segredos mais íntimos, fedidos e horríveis desencadearem a ação. Parece que tudo é culpa desse corpo belo, mas também fétido e frágil que Deus criou. Mas falta algo. Faltam dramas verdadeiros.


Secreções, Excreções e Desatinos
   
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 21 (142 págs.)



Marcelo Rubens Paiva é escritor, autor de "Feliz Ano Velho", entre outros.



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