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LITERATURA
Fonseca traz humor e escatologia
MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais uma do recluso escritor mineiro José Rubem
Fonseca, 76. Dessa vez, a sua melhor arma, o conto, associado a
lascas de um humor escatológico.
Acaba de sair "Secreções, Excreções e Desatinos", livro com 14
histórias daquele que tem quatro
contos ("A Força Humana", "Passeio Noturno", "Feliz Ano Novo"
e "A Confraria dos Espadas") incluídos na obra "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século"
(editora Objetiva).
"Por que Deus, o criador de tudo o que existe no Universo, ao
dar existência ao ser humano, ao
tirá-lo do Nada, destinou-o a defecar?", pergunta o autor no conto
"Copromancia", que abre o livro.
O narrador passa a observar as
suas fezes no vaso sanitário. Tenta
desenhá-las, tira fotos de uma Polaroid, monta um álbum, estuda
seus olfatos e formas e então é capaz de interpretar os sinais que
aquelas fezes fornecem: faz perguntas prévias e busca as respostas observando o excremento.
Na onda de muitas correntes
esotéricas que interpretam sinais
obscuros, o narrador criou uma, a
copromancia, uma referência irônica a tantas doutrinas que mobilizam leitores e dominam o mercado literário atual.
O maior mérito de Fonseca é
que ele profissionalizou-se sem
apelar ou cair em modismos, inventou o seu estilo e se impôs. O
que isso significa?
Significa que ele é daqueles sujeitos invejáveis, que escrevem todos os dias roteiros e livros, biografias e romances, contos e novelas, e no final do mês recebem um
"doc" de uma boa editora em sua
conta bancária, sem publicar livros de auto-ajuda.
Fonseca é bom de gatilho e atira
em diversos gêneros. Vai de Carlos Gomes ("O Selvagem da Ópera") a Molière ("O Doente Molière", livro feito sob encomenda).
Viu o suicídio de Getúlio, um dos
períodos mais conturbados e obscuros da história brasileira, refletido nas retinas de um detetive secundário ("Agosto").
Foi identificado, recentemente,
como o roteirista JRF dos filmes
de antipropaganda comunista financiados pelo Ibade (Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento),
que antecederam o regime militar; regime que, posteriormente,
fez dele uma de suas vítimas, censurando "Feliz Ano Novo".
Já foi aclamado o maior escritor
brasileiro em atividade. No entanto alguns críticos apontam citações excessivas e descontextualizações em suas obras. Por vezes, o
escritor de estilo seco e direto se
perde em erudições digressivas,
como se quisesse provar algo a alguém; vale lembrar que o gênero
policial perdeu o estigma de literatura comercial e ganhou status
de alta literatura recentemente. O
autor joga com seus narradores e
com os leitores machadianamente. Está no limite do mau gosto e
do grotesco. Exemplo?
A flatulência é o tema de seu
conto "Vida": "(...) os flatos ao serem expulsos dão-me um grande
prazer que se manifesta no meu
rosto...".
É curioso como um peido muda
uma relação. Ele faz os segredos
mais íntimos, fedidos e horríveis
desencadearem a ação. Parece
que tudo é culpa desse corpo belo,
mas também fétido e frágil que
Deus criou. Mas falta algo. Faltam
dramas verdadeiros.
Secreções, Excreções e
Desatinos
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 21 (142 págs.)
Marcelo Rubens Paiva é escritor, autor de "Feliz Ano Velho",
entre outros.
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