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CRÍTICA
A América acuada canta por sua voz
DA REPORTAGEM LOCAL
"American Life" é mais um
golpe feroz de Madonna.
Aos 44 anos, ela faz um CD todo
vazado por referências sobre sua
própria decadência -antes que a
decadência aconteça de fato.
Madonna parece estar fascinada e assustada com essa idéia. Sua
audácia em assumi-lo talvez se
deva aos exemplos de filme de terror de Michael Jackson.
Começa criticando o hoje fragilizado "american way of life", na
faixa-título, e segue tripudiando
dele em "Hollywood". Está casada
com um londrino; confere poderes extraordinários ao ascendente
Mirwais, talentosíssimo produtor
sintonizado com a cena francesa
de Air, Daft Punk e similares.
"Acho que fiz tudo errado", "tentei ficar no topo", "foda-se",
vai declarando em "American Life", que também critica (num
rap!) a obsessão pelo corpo. Ali e
em "Hollywood", parece estar rebatendo os excessos arrivistas da
jovem musa electro Miss Kittin.
Mas Madonna sabe bem que era
igualzinha a Kittin quando moça.
Mirwais esnoba o electro, mas
em parte é papo furado. Ele é a face mais sofisticada desse espírito,
e por isso injeta em Madonna silicone fofo de eletrônica retrô. "Love Profusion", por exemplo, caberia num disco de tecnopop de
1981 de Rita Lee. "Mother & Father", o instante sensacional do
CD, é cheio de efeitos que são,
sim, do retrô-futurismo do electro (e Madonna ainda cita Freud!)
E segue, espanando fantasmas.
Na robocop "I'm So Stupid", sobram agulhadas a Michael Jackson: "Sou estúpida/ porque vivo
numa bolha minúscula", "era tudo ganância". No gospel tipo "Like a Prayer" (89), "Nothing Fails",
revela: "Não tenho mais medo de
cair". Na romântica "Intervention" diz que "era hora de acordar
desse sonho" -quer nos convencer que está se despedindo?
Seja o que for, vai conquistando
altivez, num CD que soa novo
sem carregar nada realmente novo. E termina com outra balada
chatinha, "Easy Ride", em que diz
que deseja uma boa vida, mas não
na mamata -quer batalhar, merecê-la, como sempre fez.
De volta ao começo, essa é a
mesma personagem da faixa-título, que tenta soar européia demais, criticar a América demais,
mas soa tão... norte-americana.
Temendo a decadência e enfrentando-a feito tigresa, eis Madonna
em "American Life": o retrato do
que quer criticar, a América acuada, mas um tanto mais transparente.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
American Life
Artista: Madonna
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 25, em média
Ouça trecho do disco em www.folha.com.br/ilustrada
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