São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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CRÍTICA

Cheiro de armação domina "Metamorphoses"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

É péssimo para o espectador que as outras emissoras metam tanto os pés pelas mãos ao tentar concorrer com a Rede Globo.
A Record fez uma barulheira com a nova novela, exibiu trunfos como a direção de Tizuka Yamazaki, a participação dos escritores Mário Prata e José Louzeiro na elaboração da trama e a presença de atores como Paulo Betti, Joana Fomm, Miriam Muniz e Gianfrancesco Guarnieri, mas, a pouco mais de um mês da estréia, "Metamorphoses" parece ter entrado em um processo de entropia irreversível.
Mário Prata e José Louzeiro já se mandaram faz tempo; Tizuka também abandonou a novela; o diretor do núcleo de teledramaturgia Del Rangel saiu da emissora e, na última semana, a equipe técnica foi demitida em plena gravação. O que transparece em todos esses episódios é a mão-de-ferro da produtora Arlette Siaretta e sua (ao que parece) indomável vontade de fazer uma novela-marketing em torno das benesses da cirurgia plástica.
É uma outra nova modalidade de ficção na TV esta novela cujo esforço máximo é o de vender uma idéia, uma atitude. Do slogan -"a novela que vai mudar sua vida"- às declarações de Siarettta, afirma-se e reitera-se a naturalidade do recurso à cirurgia plástica. Auto-estima em baixa, troca de identidade, acidentes graves: qualquer coisa parece ser pretexto para o telespectador ser submetido à cenas hiper-realistas em salas de cirurgia que deixam "ER" no chinelo.
Essa insistência cheira a uma estranha obsessão pessoal da produtora Siaretta, que entrou em conflito aberto com Prata e Louzeiro e criou uma identidade misteriosa para a equipe de roteiristas anônimos que desenvolve suas idéias, mas também sugere uma enorme armação para incentivar (ainda mais) a noção de que é ok fazer cirurgia plástica em qualquer circunstância e, mais ainda, que qualquer infelicidade se cura com um bisturi.
Claro, há uma certa tensão entre a personagem do mal, a ambiciosa e inescrupulosa Diana (Luciene Adami), e os mais criteriosos personagens do bem, a meio-irmã Lia (Vanessa Lóes) e o médico Lucas (Luciano Szafir), mas em um roteiro tão precário quanto é o de "Metamorphoses" nem chega a se caracterizar um confronto. De tão mal escritos, nem se consegue perceber pelos diálogos, que se constituem basicamente de frases soltas e rompantes de mau humor, quem defende o quê.
O que prevalece mesmo é a impressão causada pelas imagens de narizes retalhados, que vão perdendo o impacto por força da repetição, e os "antes/depois" que documentam a padronização estética -narizes considerados "bonitos", seios aumentados, rostos esticados- promovida por essa vertente quase que sempre mercantilista da medicina e que encontrou em Siaretta e sua "Metamorphoses" um poderoso instrumento de marketing.

biabramo.tv@uol.com.br


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