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ILUSTRADA
Em apresentação no Carnegie Hall, cantor e compositor baiano mescla samba novo a comentários sobre o poder
Nos EUA, Caetano iguala Bin Laden e Rice
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
O tropicalismo, essa forma de
pensar adotada por Caetano Veloso, igualou anteontem, em Nova York, Bin Laden e a assessora
de Segurança Nacional dos EUA.
"Diferentemente de Osama e
Condoleezza [Rice], eu não acredito em Deus", cantou ele, em
português, no show do CD "A Foreign Sound", para um Carnegie
Hall lotado.
O verso é de um samba que o
compositor baiano disse ter criado quando preparava o disco de
canções americanas. "Enquanto
eu gravava essas músicas que não
escrevi, queria compor coisas novas, minhas", explicou em inglês.
A letra fala da impossibilidade
de uma identidade individual
completa, fechada, definitiva, tema caro ao tropicalista Caetano,
mas estrangeiro a muitos ouvidos
norte-americanos -para os
quais, como ele já disse, branco é
branco, preto é preto, e a mulata
não é a tal-, bem representados
na Casa Branca de George W.
Bush pós-11 de Setembro.
O músico, que de maneira didática comentava ou traduzia versos
para o inglês de quase toda canção em português, não explicou
para o público do que tratava
aquele samba, que também dizia:
"Você, que, me olhando, detona a
explosão de saber quem eu sou".
Não foi um momento isolado,
mas parte da lógica de um show
que, diferentemente do disco, exclusivamente em inglês, intercalou sambas como "Não Tem Tradução", de Noel Rosa, "Adeus Batucada", de Sinval Silva, e "Brasil
Pandeiro", de Assis Valente.
Uma questão de poder está colocada, explicou Caetano, na relação entre as línguas e, portanto,
entre as culturas -problema que
o tropicalismo pretendeu resolver
ultrapassando a dicotomia entre
dominar ou ser dominado.
"Com "Fina Estampa" [disco de
músicas latinas], estava enfrentando essa questão de poder da
língua", afirmou. "E, quando você
pensa na língua inglesa, você realmente pensa em poder." Os instrumentos para resolver esse problema político -que se agrava
pelo fato de o português ser, como
disse, "uma língua de gueto"-
foram a "sofisticação" da bossa
nova e a mistura de "sagacidade"
e "ironia" do tropicalismo.
A escolha das músicas trouxe
para o show o mesmo "filtro" das
canções do disco, servindo como
comentário sobre o poder, seja ao
dizer que é preciso aprender inglês, em "Baby", ou nos versos de
Noel Rosa: "Alô, boy, alô, Johnny
só pode ser conversa de telefone".
Satisfeito com a própria lógica,
Caetano comentou: "Talvez seja
mais difícil [nesse disco] ler as
muitas camadas de comentários e
observações nas músicas".
É de perguntar se o espetáculo
de anteontem, em que Caetano
declarou sua identificação com a
América -todo o continente, incluindo os EUA-, não pode
orientar essa leitura. Como na inserção, ao final de "It's Alright,
Ma (I'm Only Bleeding)", de Bob
Dylan, dos versos -da canção de
"Deus e o Diabo na Terra do
Sol"- "Se entrega, Corisco! Eu
não me entrego, não".
Mas não, porque já estavam lá,
dos versos de "Love for Sale", de
Cole Porter: "Quem está preparado para pagar o preço/ de uma
viagem ao paraíso?".
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