São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 2006

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FERNANDO BONASSI

Mil Vietnãs, Haitis, São Paulo & Paris!

Não é por falar, mas um dia desses, a continuar a pressão com que os folgados espremem os salários dos otários, tais escravos amarrados escaparão de seus grilhões; quer porque ficam lisos e magros de esfomeados, quer porque ficam cansados de apanhar e de não ter em meio a tanto tesão com que querem lhes vender o que não precisam...
Serão como focos de guerrilheiros contagiosos, que, andrajosos, vão descer dos morros, vão emergir de bueiros sigilosos dando esporro e saltar pelo lixo acumulado dos escadões em que foram isolados. Serão coagidos, espancados, cadastrados ou castrados como exemplos para desistir, mas deverão continuar simplesmente porque não têm mais para onde ir. Assim, seus patrões, contrariados, sentindo-se enganados por essas transformações inelutáveis, apelarão às intermináveis discussões dos supremos juízes aposentados, mas será tarde...
Poucos coitados sobreviverão à execução dessas sentenças, por maiores que sejam as suas influências no cumprimento do dever, no comprimento do pênis ou na beleza da gramática de suas frases dramáticas.
As armas automáticas serão compatíveis com as blindagens. As sacanagens serão explícitas demais para se lembrarem de que uns ainda têm lá alguma vergonha na cara. Será quase nada, mas será suficiente para que os poderosos indiferentes sejam catalogados e seqüestrados em seqüência. Os militantes vão pular os muros das mansões, queimar os livros das estantes e esvaziarem-se de suas necessidades nas piscinas, obras de arte, camas e persianas. Também vão profanar a pureza das meninas e dos altares consagrados. Terão slogans corrosivos, cintos explosivos, artefatos nucleares e técnicas militares, com as quais cuspirão nos pratos em que comeram, foram treinados ou torturados...
Tiros serão trocados, ônibus serão incendiados, chefes de família serão cooptados para a infâmia e os patrimônios ficarão dilapidados de um tanto que só mesmo os tontos decapitados terão as melhores idéias do que fazer na carnificina patrocinada por empresas privatizadas em conluios estatais...
De um modo ou de outro, a imagem de todos será atingida, especialmente a auto-estima com que se espera o pior... O desespero será bem melhor. Também mais coerente em meio aos indigentes...
Não haverá diferença entre 15 minutos de fama ocasional numa delegacia de polícia, numa notícia de telejornal ou na malícia de um site de fofocas. A telenovela e o cinema de marionetes ainda tentarão modelar o comportamento compatível das favelas, cortiços e malocas... mas será risível. A comédia da classe média será trágica em seu destino falível, a prática das autoridades será caquética, a tática dos planejadores será titica e fonéticas as mágicas e mensagens dos salvadores da pátria, já que preferem deixar seus dinheiros amealhados em corrupção numa aplicação em bancos estrangeiros a estas nacionalidades...
É verdade que a democracia será espancada com promessas e discursos traiçoeiros. A pátria será invocada, mas não será corajosa o bastante para eliminar de vez com os tratantes. Então, por força desses exemplos gritantes, os herdeiros serão os primeiros a matar os pais com balas traçantes. Depois serão os governantes dos países paternalistas que administram sevícias e punições. Em terceiro lugar, o que sobrar dos escombros de anos e anos de retenções e repressões.
Até mesmo os médicos estarão sofrendo de coléricos, como os clérigos e os pacifistas dentre os onanistas comodistas do terceiro setor. Os fascistas jantarão em surdina, com horror de serem assaltados por garçons sindicalistas. Os comunistas se autodestruirão em cinco segundos de poder; vão se danar em chacinas e dançar em chicanas de papelada propaladas pelas bolsas dos capitalistas humanistas...
Os reservistas serão promovidos a generais-de-brigada, já que ninguém nessa hierarquia terá "pegada", ou palavras, para justificar os atos de alheamento com que padecem as autoridades às quais obedecem.
As crianças indefesas pegarão em armas como se fossem doces, os moços não terão filhos para evitar despesa, o desprezo dos adultos conscientes se manterá presente e ausentes os velhos experientes, já que estarão carecas de não saber exatamente o que fazer.
A ideologia escolhida terá sido recolhida do restolho dessa economia de política com que uma elite de suicidas trata seus funcionários apascentados. Prover de incoerência, dependência e de porrada! Mais nada.
Ter dó do que quer que seja não fará mais qualquer sentido para uns ouvidos perdidos para a ignorância. A inocência será o maior pecado dos pastores de ovelhas. Os piores abutres acabarão eleitos e os melhores tomarão os partidos de assalto, para reeleição num próximo mandato e para o prolongamento de suas imunidades.
A sedução da liberdade apelará para a violência do abandono, mas todo o sono será interrompido pela gritaria... De forma que a maioria dessa minoria estará bem acordada em seus apartamentos quando chegar, por fim, o fim do seu lamento.


@ - fbonassi@uol.com.br


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