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Caso de polícia
Em fase de montagem de "Tropa de Elite", José Padilha quer mostrar como a polícia se torna violenta e é estigmatizada
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na discussão sobre violência
e segurança pública no Brasil,
"a polícia não é um detalhe",
observa o cineasta José Padilha. Mas, no cinema nacional,
quase sempre ela é.
Acostumados ao protagonismo no noticiário cotidiano
-matam, morrem, prendem,
são presos-, os policiais em geral ocupam lugar lateral e canhestro nos filmes brasileiros.
Na obra do próprio Padilha
(até aqui), a regra não foi outra.
No documentário "Ônibus
174", seu filme mais aclamado,
é o retrato de uma ação policial
desordenada que surge na reconstituição do episódio do seqüestro do coletivo referido no
título, no Rio de Janeiro, com o
resultado que se sabe: uma passageira feita refém morreu baleada e o seqüestrador perdeu a
vida, no caminho para a prisão.
Quando filmava "Ônibus
174", Padilha aproximou-se de
policiais militares, especialmente os do Bope (Batalhão de
Operações Especiais) e esquadrinhou sua rotina.
"Comecei a reparar que existia um problema interno à instituição policial no Brasil. Esse
problema, de certa maneira, é
de direitos humanos. Só que é
um problema de direitos humanos do policial", diz Padilha.
É desse "problema" que o diretor trata em seu novo filme,
"Tropa de Elite", que está sendo montado em São Paulo e do
qual a Folha assistiu a trechos.
Feito com R$ 10 milhões, o
longa tem estréia prevista para
outubro. De seu roteiro inicial,
assinado por Padilha, Bráulio
Mantovani ("Cidade de Deus")
e Rodrigo Pimentel, derivou o
projeto do livro "Elite da Tropa" (Objetiva, 2006), de Luiz
Eduardo Soares, André Batista
e Rodrigo Pimentel.
"Tropa de Elite", a primeira
ficção de Padilha, guarda um
paralelo com "Ônibus 174".
Enquanto o documentário se
debruçou sobre a trajetória de
um jovem delinqüente, sobrevivente ao massacre da Candelária, para demostrar que o Estado, pela forma como (des)assiste crianças carentes "produz
indivíduos violentos", a ficção
pretende mostrar que é o Estado quem produz também "uma
polícia violenta ou corrupta".
Na entrevista a seguir, Padilha fala de como "a violência se
presta à dramaturgia", comenta o roubo de armas das filmagens de "Tropa de Elite", que o
obrigou a paralisá-las, e explica
por que não faria um filme a
respeito dos assassinos do garoto João Hélio. Acompanhe.
FOLHA - Apesar de ser uma ficção,
"Tropa de Elite" é o seu ponto de vista sobre a questão da segurança pública no Brasil?
PADILHA - Interessa-me a perspectiva sociológica do filósofo
[austríaco] Karl Popper [1902-94], que diz que um modo de
olhar os processos sociais é assumir as instituições que estão
dadas e ver, num determinado
espaço de tempo, como elas interagem com as pessoas e que
efeitos têm sobre elas.
Fiz isso em "Ônibus 174" com
um menino de rua. Agora me
pergunto que efeito a instituição polícia tem nas pessoas que
pretendem ser policiais.
O policial vive um problema
de direitos humanos. A fórmula
se retroalimenta: o Estado desaparelha os policiais, remunera-os mal. Eles tendem a ser
corruptos ou violentos ou ineficientes. A população percebe
isso e os estigmatiza. A idéia do
filme é mostrar isso.
FOLHA - De que modo?
PADILHA - Conta a história de
duas pessoas que queriam ser
policiais -e existem pessoas
que querem ser policiais por
ideal- entrando no batalhão.
Em paralelo, a história de alguém que está no Bope há muito tempo e está desiludido, porque vê que aquela violência toda não resolve problema nenhum. São 700 favelas. Matar
traficante não resolve.
FOLHA - Faria um filme sobre os assassinos do garoto João Hélio?
PADILHA - Fugi desse assunto.
Tenho problema com criança.
Não estou dizendo que um tiro
asséptico na cabeça é um crime
aceitável, mas certos tipos de
crime embrulham o estômago.
Não tenho dificuldade de formular teorias sobre o comportamento de alguém como o cara
que matou João Hélio. Até porque é um comportamento recorrente na história. A barbárie
é um potencial da espécie humana. A questão que se coloca
é: em certas civilizações, esse
traço humano não aflora toda
hora. Em outras, está presente
no cotidiano. Isso é ruim.
Não digo que não faria um filme sobre esse assunto. Mas
certamente não faria um filme
sobre o caso do João Hélio.
FOLHA - Com seus filmes sobre violência no Brasil, os cineastas não contribuem para formar um clichê do país?
PADILHA - Nem todos os meus
filmes são sobre violência. Por
algum motivo, meus filmes sobre violência são mais vistos.
A violência se presta à dramaturgia, não só no cinema.
Dramaturgia tem a ver com
conflito. A violência é a exacerbação do conflito. Em histórias
violentas você encontra os elementos necessários para fazer
um bom filme. É verdade. Não
adianta mentir sobre isso.
Há risco de transformar a
violência no Brasil num clichê?
Se os filmes forem bons, não.
Bons filmes não viram clichê.
FOLHA - O roubo de 30 armas que seriam usadas em cenas de "Tropa de Elite" foi o pior momento das filmagens?
PADILHA - Não. O pior momento das filmagens foi depois. O
roubo das armas foi um momento muito tenso. Foi no final
de um dia de filmagens. Cinco
pessoas da equipe foram seqüestradas por traficantes armados, no carro que transportava as armas cenográficas.
Isso criou um problema de
segurança pública, envolvendo
o Exército (que autorizou o uso
das armas); a polícia civil (que
instaurou investigação); a Polícia Militar (que autorizou as filmagens nas locações).
Concordo que um problema
de segurança pública é mais
importante do que um filme.
Paramos o filme. A polícia entrou na favela. A locação acabou. O equipamento ficou lá em
cima. O dinheiro foi acabando.
O filme exigiu grande coragem da equipe [para continuar]. As pessoas tiveram essa
coragem. Um ou outro ficou pelo caminho. Eu entendo. Mas a
grande maioria ficou firme e
forte. Sou orgulhoso da minha
equipe. São pessoas corajosas.
E devo muito ao meu sócio e
produtor, Marcos Prado. Ele foi
fundamental para o filme.
FOLHA - Acredita na notícia divulgada este mês de que as armas foram recapacitadas pelo tráfico?
PADILHA - Pergunta difícil. Qual
é a notícia? A notícia é que um
traficante declarou que as armas foram recuperadas [estavam adaptadas para dar tiros de
festim apenas] e usadas pelo
tráfico. Se eu acredito que o traficante declarou? Acredito.
FOLHA - Como avalia as políticas de
segurança pública no Brasil?
PADILHA - A segurança pública
é um problema que os governos
têm medo tremendo de enfrentar. Não é seriamente enfrentado por governo nenhum, nem
em nível federal nem estadual.
O Brasil lida com o problema
da segurança pública como lidou com o problema dos controladores de vôo. Não há disposição política forte o suficiente para atacar efetivamente o problema. Não existe um
[Rudolph] Giuliani [ex-prefeito
de Nova York] no Brasil, que vai
reformar a polícia.
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