São Paulo, quarta-feira, 18 de abril de 2007

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Comentário

Com interpretação ácida e afiada, atriz fazia humor inglês com sotaque italiano

CARLOS LOMBARDI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nair Bello foi a mais inglesa das ítalo-paulistas. Seu senso de humor mostrava que, se freqüentemente associamos o humor italianado aos gritos e excessos, é só por facilidade de rótulo. Ela não gritava, a não ser nas horas em que se esperava que falasse baixo. Sua leitura do texto era ácida, afiada, a que emitia o comentário mortal, reduzido, de cara séria. A gente ria depois de um pequeno delay. Era humor inglês com sotaque italiano.
Desmentia o mito da boa velhinha. Nair boa era boa, mas Nair má era ótima. Emprestava a seus personagens um cinismo e um certo desprezo pela vida alheia que ela dizia serem de uma parente. Se no trato pessoal era uma "mamma" das mais tradicionais, preocupada com a prole e transformando vários colegas (como eu) em filhos, não era docinha nem boazinha, adjetivos que nunca prestigiou. Era dura na crítica, mas, como a crítica vinha embalada numa deliciosa piada e num belo insight sobre o comportamento humano, era irresistível. E, se tinha uma coisa que distribuía com a generosidade de um milionário querendo se eleger deputado, era sua contagiante gargalhada.
Aprendi a admirar Nair vendo-a fazer gato e sapato com um dos melhores diálogos da TV brasileira, Geraldo Vietri.
Era sempre a mulher de classe média que ia trombando com todo mundo que passasse à sua frente. Num país em que humor significa com freqüência rir antes para tentar arrastar o público com a risada, Nair representava a sério, seca, direta.
Rir ficava por conta do público. Convidei Nair para fazer novela em 92. Foi a mãe do vaidoso e mimado Belo (Mário Gomes) de "Perigosas Peruas".
Logo percebi que não só ela entendia todas as intenções do diálogo como se refastelava com as rubricas -há uma que ela repetia à perfeição: entortar o pescoço e reclamar que Silvia Pfeifer era alta demais cada vez que contracenavam.
Era uma palhaça. Perdia qualquer coisa, menos a piada.
Fez todos os meus trabalhos desde então. Inventei uma italiana maluca até na corte portuguesa em "O Quinto dos Infernos". Sabia que não era versátil nem precisava ser. Comentava que tinha medo de que um diretor desses modernos a escalasse para fazer uma baiana do Pelourinho e que aí sabia que iria errar e acaba- ria colocando queijo ralado no acarajé.
Adorava os filhos e amava o falecido marido, Irineu. Parte da alegria dela foi embora com a morte dele. Parte da minha alegria se vai com a morte dela.
Meus filhos a chamavam de "nona Nair". Mas vamos lembrar sempre de sua cara pseudo-mal-humorada e de sua gargalhada imensa. Mande um abraço para o Irineu, Nair.


CARLOS LOMBARDI é autor de novelas da Globo, como "Pé na Jaca", "Perigosas Peruas", "Bebê a Bordo" e "Kubanacan".

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