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Comentário
Com interpretação ácida e afiada, atriz fazia humor inglês com sotaque italiano
CARLOS LOMBARDI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nair Bello foi a mais inglesa das ítalo-paulistas. Seu senso de humor mostrava que, se freqüentemente associamos o humor
italianado aos gritos e excessos,
é só por facilidade de rótulo. Ela
não gritava, a não ser nas horas
em que se esperava que falasse
baixo. Sua leitura do texto era
ácida, afiada, a que emitia o comentário mortal, reduzido, de
cara séria. A gente ria depois de
um pequeno delay. Era humor
inglês com sotaque italiano.
Desmentia o mito da boa velhinha. Nair boa era boa, mas
Nair má era ótima. Emprestava
a seus personagens um cinismo
e um certo desprezo pela vida
alheia que ela dizia serem de
uma parente. Se no trato pessoal era uma "mamma" das
mais tradicionais, preocupada
com a prole e transformando
vários colegas (como eu) em filhos, não era docinha nem boazinha, adjetivos que nunca
prestigiou. Era dura na crítica,
mas, como a crítica vinha embalada numa deliciosa piada e
num belo insight sobre o comportamento humano, era irresistível. E, se tinha uma coisa
que distribuía com a generosidade de um milionário querendo se eleger deputado, era sua
contagiante gargalhada.
Aprendi a admirar Nair vendo-a fazer gato e sapato com
um dos melhores diálogos da
TV brasileira, Geraldo Vietri.
Era sempre a mulher de classe
média que ia trombando com
todo mundo que passasse à sua
frente. Num país em que humor significa com freqüência
rir antes para tentar arrastar o
público com a risada, Nair representava a sério, seca, direta.
Rir ficava por conta do público.
Convidei Nair para fazer novela em 92. Foi a mãe do vaidoso e mimado Belo (Mário Gomes) de "Perigosas Peruas".
Logo percebi que não só ela entendia todas as intenções do
diálogo como se refastelava
com as rubricas -há uma que
ela repetia à perfeição: entortar
o pescoço e reclamar que Silvia
Pfeifer era alta demais cada vez
que contracenavam.
Era uma palhaça. Perdia
qualquer coisa, menos a piada.
Fez todos os meus trabalhos
desde então. Inventei uma italiana maluca até na corte portuguesa em "O Quinto dos Infernos". Sabia que não era versátil nem precisava ser. Comentava que tinha medo de
que um diretor desses modernos a escalasse para fazer uma
baiana do Pelourinho e que aí
sabia que iria errar e acaba-
ria colocando queijo ralado no
acarajé.
Adorava os filhos e amava o
falecido marido, Irineu. Parte
da alegria dela foi embora com
a morte dele. Parte da minha
alegria se vai com a morte dela.
Meus filhos a chamavam de
"nona Nair". Mas vamos lembrar sempre de sua cara pseudo-mal-humorada e de sua gargalhada imensa.
Mande um abraço para o Irineu, Nair.
CARLOS LOMBARDI é autor de novelas da Globo, como "Pé na Jaca", "Perigosas Peruas", "Bebê a Bordo" e "Kubanacan".
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