São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2001

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Vencedora veio a público em 72, em disco dividido com o então estreante João Bosco

"Águas de Março" foi revelada pelo "Pasquim"

DA REPORTAGEM LOCAL

Se hoje o mito em torno de Tom Jobim o faz parecer ainda muito jovem, o Tom que compôs "Águas de Março" vivia, no pós-tropicalismo, o fio da tensão entre o velho e o novo.
A história da aparição da canção o revela: "Águas de Março" veio à luz graças a uma idéia do músico de bossa e protesto Sérgio Ricardo. Ele elaborou, com o tablóide militante "O Pasquim", a série "Disco de Bolso", espécie de avô dos atuais CDs de banca de Lobão. Propunha confrontar nos dois lados de um compacto simples (o single de então) um artista consagrado e outro iniciante.
O primeiro "Disco de Bolso" apareceu em maio de 1972, com "Águas de Março" num lado e "Agnus Sei", dos estreantes João Bosco e Aldir Blanc, no outro.
"Chamou-se "O Tom e o Tal", sendo que o tal era eu", lembra João Bosco. "Numa seleção de músicos novatos, eu e Aldir ganhamos. A música era mostrada ao padrinho, para ser aprovada, e o padrinho, segundo o projeto, teria que gravar uma inédita."
Em texto no encarte do disquinho, Tom filiou sua nova música ao poema "O Caçador de Esmeraldas", do vetusto parnasiano Olavo Bilac. A série "Disco de Bolso" prosseguiu com Caetano Veloso apresentando Fagner, mas não foi mais adiante.
A inédita escolhida por Tom havia sido composta em março, ao violão, em seu sítio em Poço Fundo. Disse o autor, em depoimento incluído em "Antonio Carlos Jobim - Uma Biografia", de Sérgio Cabral: "Eu estava com (sua mulher) Teresa lá no sítio, vendo uma aguinha passar pelo regato, e a coisa começou a brotar".
Autor multinacional, logo ele passou a trabalhar na versão em inglês, que seria gravada apenas para a edição americana de "Matita Perê" (1973), sob condução do maestro Claus Ogerman.
Cabral reproduz mais esse depoimento: "Um dia, eu estava meditando em cima do verso "é um espinho na mão, é um corte no pé" e percebi tudo. Como é que um americano iria cortar o pé se ele nunca anda descalço? (...) O negócio era esquecer a letra em português e criar novos versos em inglês, procurando palavras duras, contundentes, bem rascantes".
Nem tudo foram flores em "Matita Perê". Outra canção do LP, "Nuvens Douradas", foi colocada sob suspeição de ser plágio de "Prece", de Vadico e Marino Pinto. Desde então, Tom nunca mais a executou publicamente.
As primeiras gravações comerciais de "Águas de Março" foram versões dos dois ícones da então velha ordem da MPB -além de Tom, João Gilberto também a registrou em seu disco de 1973.
Nos pólos de tensão entre velho e novo, a canção se tornaria, em 1974, símbolo maior de um encontro que até então parecia impossível: o de Tom com Elis Regina. Os dois não se davam musicalmente; nos tensos bastidores de gravação de "Elis & Tom", a cantora impunha o piano elétrico do marido Cesar Camargo Mariano e se referia a Tom como "velho", "chato", "babaca".
No entanto, Tom era cartada decisiva para que Elis, então sofrendo preconceitos por parte de críticos e da nata emepebista, "sofisticasse" (rejuvenescesse?) seu som. Deu certo, e até hoje "Águas de Março" é lembrada principalmente pela versão dos cordiais oponentes Elis e Tom.
(LÚCIO RIBEIRO e PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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