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Vencedora veio a público em 72, em disco dividido com o então estreante João Bosco
"Águas de Março" foi revelada pelo "Pasquim"
DA REPORTAGEM LOCAL
Se hoje o mito em torno de Tom
Jobim o faz parecer ainda muito
jovem, o Tom que compôs
"Águas de Março" vivia, no pós-tropicalismo, o fio da tensão entre
o velho e o novo.
A história da aparição da canção o revela: "Águas de Março"
veio à luz graças a uma idéia do
músico de bossa e protesto Sérgio
Ricardo. Ele elaborou, com o tablóide militante "O Pasquim", a
série "Disco de Bolso", espécie de
avô dos atuais CDs de banca de
Lobão. Propunha confrontar nos
dois lados de um compacto simples (o single de então) um artista
consagrado e outro iniciante.
O primeiro "Disco de Bolso"
apareceu em maio de 1972, com
"Águas de Março" num lado e
"Agnus Sei", dos estreantes João
Bosco e Aldir Blanc, no outro.
"Chamou-se "O Tom e o Tal",
sendo que o tal era eu", lembra
João Bosco. "Numa seleção de
músicos novatos, eu e Aldir ganhamos. A música era mostrada
ao padrinho, para ser aprovada, e
o padrinho, segundo o projeto, teria que gravar uma inédita."
Em texto no encarte do disquinho, Tom filiou sua nova música
ao poema "O Caçador de Esmeraldas", do vetusto parnasiano
Olavo Bilac. A série "Disco de Bolso" prosseguiu com Caetano Veloso apresentando Fagner, mas
não foi mais adiante.
A inédita escolhida por Tom havia sido composta em março, ao
violão, em seu sítio em Poço Fundo. Disse o autor, em depoimento
incluído em "Antonio Carlos Jobim - Uma Biografia", de Sérgio
Cabral: "Eu estava com (sua mulher) Teresa lá no sítio, vendo
uma aguinha passar pelo regato, e
a coisa começou a brotar".
Autor multinacional, logo ele
passou a trabalhar na versão em
inglês, que seria gravada apenas
para a edição americana de "Matita Perê" (1973), sob condução do
maestro Claus Ogerman.
Cabral reproduz mais esse depoimento: "Um dia, eu estava meditando em cima do verso "é um
espinho na mão, é um corte no pé"
e percebi tudo. Como é que um
americano iria cortar o pé se ele
nunca anda descalço? (...) O negócio era esquecer a letra em português e criar novos versos em inglês, procurando palavras duras,
contundentes, bem rascantes".
Nem tudo foram flores em "Matita Perê". Outra canção do LP,
"Nuvens Douradas", foi colocada
sob suspeição de ser plágio de
"Prece", de Vadico e Marino Pinto. Desde então, Tom nunca mais
a executou publicamente.
As primeiras gravações comerciais de "Águas de Março" foram
versões dos dois ícones da então
velha ordem da MPB -além de
Tom, João Gilberto também a registrou em seu disco de 1973.
Nos pólos de tensão entre velho
e novo, a canção se tornaria, em
1974, símbolo maior de um encontro que até então parecia impossível: o de Tom com Elis Regina. Os dois não se davam musicalmente; nos tensos bastidores de
gravação de "Elis & Tom", a cantora impunha o piano elétrico do
marido Cesar Camargo Mariano
e se referia a Tom como "velho",
"chato", "babaca".
No entanto, Tom era cartada
decisiva para que Elis, então sofrendo preconceitos por parte de
críticos e da nata emepebista, "sofisticasse" (rejuvenescesse?) seu
som. Deu certo, e até hoje "Águas
de Março" é lembrada principalmente pela versão dos cordiais
oponentes Elis e Tom.
(LÚCIO RIBEIRO e PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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