São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2001

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CANNES

Autobiografia narrada pelo diretor faz colagem de filmes italianos

Scorsese apresenta seu mosaico em preto-e-branco

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Godard podia ter alguma razão quando disse em Cannes que os americanos do Norte não têm história, por isso correm à Europa a comprá-la. Este definitivamente não é o caso do cineasta ítalo-americano Martin Scorsese, que apresentou anteontem o monumental "Il Mio Viaggio in Italia".
O filme, de mais de quatro horas, em preto-e-branco e narrado por ele, é, na verdade, uma autobiografia peculiar. Faz uma colagem dos mais importantes títulos dos principais cineastas italianos dos anos 40, 50 e 60. Empresta o título de "Viaggio in Italia", de Roberto Rosselini, de 53. E é com o pai do neo-realismo que Scorsese começa sua turnê pelo cinema.
A primeira cena é a famosa do paisano morto numa bóia no rio Pó, de "Paisà" (1946), que, com "Roma Cidade Aberta" (1946) e "Alemanha Ano Zero" (1947), forma a trilogia-base de Rossellini no movimento. Ficamos sabendo que o principal programa do jovem Martin nos anos 40 e 50 era assistir à TV com seu irmão, seus pais, avós e tios. Todos de origem siciliana, reunidos na sala de um apartamento apertado em Nova York, onde um dia já foi a Little Italy e hoje é o "descolado" SoHo.
E que, devido à grande comunidade de italianos na cidade, as três emissoras abertas exibiam muitos filmes italianos, dublados em inglês. "Assistia a Roy Rogers no cinema, um mundo de fantasia, e voltava para casa para a dura realidade de filmes como "Paisà". Nós tínhamos 200 anos de história e o duelo no Curral OK, enquanto [os italianos" eram milenares e lutavam no Coliseu", lembra.
Na sequência, cenas feitas há 60 anos pelo tio de Martin, descobertas pelo primo recentemente, da nonna, da mercearia da família, do jovem pai Scorsese (que assinava Scozezze na grafia original). A pré-história do diretor que faria "Taxi Driver" e "Touro Indomável". Emocionante.
Há curiosidades históricas, como "Cabiria", de Giovanni Pastrone, épico de 1914 que, segundo o próprio D.W. Griffith, o inspirou a fazer "Intolerância", dois anos depois. A viagem continua com Vittorio de Sica ("Ladrões de Bicicletas", 1948, "Umberto D", 1952), Luchino Visconti ("Sedução da Carne", 1954) e termina com "Oito e Meio" (1963), para muitos obra-prima de Fellini.
Scorsese conclui dizendo que não fez o filme para velhos cinéfilos, que provavelmente conheciam todos esses títulos, mas para jovens amantes do cinema, que o diretor quer recrutar para seu exército. "Viaggio" segue a linha de outra obra fundamental do cineasta, "A Personal Journey with Martin Scorsese through American Movies", sobre os filmes dos EUA que o influenciaram.
Faye Dunaway estava na platéia, como a representar as cores americanas. A seu lado, Francesco Rosi ("Crônica de uma Morte Anunciada"), companheiro de Zeffirelli quando trabalhavam sob a batuta de Visconti em "La Terra Trema" (1948), também citado no filme. Ambos aplaudiram muito.




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