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LIVRO/LANÇAMENTO
"PINÓQUIO"
Aventuras do boneco chegam às livrarias, no texto original, de Collodi, e em análise, de Giorgio Manganelli
Livro explora a doída trilha da marionete
FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL
A mais típica das fábulas. Eis
uma definição que acomoda confortavelmente "As Aventuras de
Pinóquio", tal como originalmente concebidas pelo italiano Carlo
Collodi (1826-1910), em 1883.
Afinal, o que é o livro de Collodi
senão uma história contada com a
nítida intenção de ilustrar preceitos morais a meninos travessos?
O que ele pode ser, além de historieta moral, está em "Pinóquio:
Um Livro Paralelo", de Giorgio
Manganelli (1922-1990).
Livro original -em rara versão
integral- e livro paralelo ganham edição nacional neste mês.
Para cada capítulo do "Pinóquio"
de Collodi há um capítulo do "Pinóquio" de seu paisano Manganelli, que analisa as aventuras da
marionete esculpida por Gepeto,
para "dançar, esgrimir e dar saltos-mortais", mas que prefere
aprontar estripulias mundo afora.
Como cabe a uma típica fábula,
o mundo de Pinóquio tem lógica
própria, à qual o leitor se entrega
sem questionar. Nele, comida some e surge do nada e os animais
têm fala. Mais: até um pedaço de
"madeira para queimar" tem voz
antes mesmo de virar boneco.
Faltam ao ambiente de Pinóquio, porém, característicos reis e
castelos: em seu lugar, noites frias,
velhice, pobreza. O percurso da
marionete não leva ao casamento
com a princesa, mas a ele mesmo,
transcendida sua essência de "duríssima madeira". Em suma, fala
de superar a fantasiosa infância
para ser um humano nobre, apesar das dores do crescimento.
E como elas doem. Sobre o leitor infantil, a fábula age, ainda hoje, de modo eficiente. Impossível
não se afligir com o caminho tortuoso de Pinóquio: as "sevícias
morais" impingidas ao boneco
transbordam para quem lê. Por
que Pinóquio não aprende e nos
salva de sofrer com ele?
Porque, leitor, conforme nos
lembra o livro de Manganelli, as
aventuras da marionete só avançam quando são desventuras.
Sempre que Pinóquio tenta ser
"bom menino", a narrativa estanca, só retornando na próxima vez
em que o boneco se deixa levar
pelas promessas de vida fácil.
Uma leitura possível
"Não sei o que é um livro, mas
acho que agiam sabiamente aqueles cuneiformes que, por meio da
pontiaguda grafia, gravavam espessos e argilosos tijolos cozidos:
cada página, trezentas das nossas", pondera Manganelli.
E segue: "É engano tipográfico
que uma página tenha a tênue espessura na qual, de ambos os lados, se imprime. Diria eu que a
página começa a partir daquela
tênue superfície em branco e preto, mas se estende, se dilata, se
aprofunda, e até emerge, se encrespa e escorre fora das margens". Essa é a premissa de seu livro paralelo. Ele é uma leitura
possível de "Pinóquio".
As chaves de Manganelli podem
estar em detalhes como as cores,
as intempéries constantes ou a indumentária dos personagens. Um
dos pontos em que o crítico mais
insiste, porém, é a extensa variedade de animais a que o boneco
de madeira (vegetal, portanto) é
comparado, em suas desabaladas
carreiras: lépido, Pinóquio é como lebre, cabrito, rã.
Mas para se aproximar do humano, sabemos, será preciso mais
esforço do que correr e saltar.
Manganelli explicita de que é
feita a doída trilha de Pinóquio: de
um fio estendido sobre o limiar
entre vida e morte -até que a
morte sobrevenha, mas para dar
lugar à vida, na mutação final.
Exercício interessante resulta de
intercalar a leitura dos dois livros,
capítulo a capítulo.
Manganelli fornece uma espécie
de "caminho" para fazer um corte
transversal na fábula, para além
da aceitação de seu mundo fantasioso, levando a significados ocultos. Logo o leitor se pega "adivinhando" o que o crítico dirá em
sua análises ou até fazendo ligações que ele mesmo não sugere.
Essa é a lição do seu "livro paralelo", e não vale só para "Pinóquio": cada leitor constrói sua leitura, própria, única e irrepetível.
"AS AVENTURAS DE PINÓQUIO" - ("Le
Avventure di Pinocchio", 1883). De: Carlo
Collodi. Editora: Companhia das
Letrinhas (tel. 0/xx/11/ 3167-0801,
www.companhiadasletras.com.br).
Tradução: Marina Colasanti. 192 págs. R$
22,50.
"PINÓQUIO: UM LIVRO PARALELO" -
("Pinocchio; Un Libro Parallelo", 1977).
De: Giorgio Manganelli. Editora:
Companhia das Letras (idem). Tradução:
Eduardo Brandão. 208 págs. R$ 27,50.
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