São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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DANÇA

O Balé da Cidade de São Paulo traz a consciência do tempo

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Q uestionando certezas, experimentando confrontações, sustentando a tensão das forças da dança, o Balé da Cidade de São Paulo vem reinventando seu espaço na cidade. O repertório se renova e o Balé aposta em novos talentos. Exemplos: a Cia. 2 está em cartaz com "Deserto dos Anjos", da coreógrafa e bailarina Cláudia Palma, e a Cia. 1 encerrou uma temporada, com "Dualidade@br", de Gagik Ismailian, e "Plenilúnio", de Susana Yamauchi e João Maurício.
A pressão do presente -uma concentração de energia vinda do passado- e a consciência de nossos próprios limites: é só isso o que nos cabe diante do tempo? "Deserto dos Anjos" tematiza a indiferença e o abandono sofrido pelos idosos na nossa sociedade, que só redobra o sofrimento pelas fragilidades físicas da idade.
O espetáculo começa enquanto o público se senta. No palco uma mulher gira lenta e constantemente. Aos poucos, outros bailarinos entram e formam um tecido humano; deitado no chão, ele começa a se mover, com peso. Quando os bailarinos se levantam, seu andar é arqueado, sua dança emperrada e angustiante.
O que era fluido, se tornou espesso; o que era maleável, endureceu e o que era pequeno se tornou mais frágil, diante da imensidão das paredes do cenário. Cláudia Palma encontra aqui uma forma de aproximar coisas e materiais aparentemente incongruentes, como é incongruente o mundo de onde eles vêm. Ao final, o "infinito", como ilusão de alívio. Os símbolos são pesados. E o espetáculo se equilibra numa linha tênue, com saldo positivo.
Já a Cia. 1 apresenta coreografias de gestos dinâmicos e virtuosos. Em "Dualidade@br" os movimentos são vigorosos, com muitos giros, quedas e equilíbrios; e a companhia está coesa e precisa. Amor/paixão, diferença/identidade: os perigos de sempre, e a dança, que chega a ser muito forte, nem sempre escapa da dramatização exagerada.
"Plenilúnio" (nome nobre da "lua cheia") põe em cena uma gangue da cidade, em nove quadros. Na coreografia de Yamauchi e João Maurício, os bailarinos cruzam o palco em infinitas caminhadas; e é em meio a elas que os quadros se dão.
É só isso o que nos cabe diante do tempo? A pergunta do início precisa ser ouvida de outro modo. É só isso mesmo o que nos cabe: a dança diante do tempo, quer dizer, a dança do seu tempo, que o Balé da Cidade vem inventando, aos poucos, para si.


Balé da Cidade, Cia. 2>    
Balé da Cidade, Cia. 1    
Onde: teatro São Pedro (r. Barra Funda, 171, região oeste, tel. 0/xx/11/3667-0499)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: entrada franca (retirar o ingresso uma hora antes)



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