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DANÇA
"Erendira", montagem do coreógrafo brasileiro, abre festival internacional em Veneza, que será precedido por debates
Ismael Ivo questiona os limites do corpo
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
"O corpo em ataque, o corpo
implodindo e explodindo como a
expressão de hoje; o corpo na era
do terror, ainda aprisionado e
tentando se expressar de várias
formas." São palavras do bailarino brasileiro Ismael Ivo, diretor
da área de dança na Bienal de Veneza. Partindo das propostas da
Bienal, como janela de arte progressiva, ele montou o 3º Festival
Internacional de Dança Contemporânea - Body Attack, descrito
como "um olhar sobre o corpo no
nosso tempo".
Em entrevista à Folha durante
um ensaio na Oficina Cultural Oswald de Andrade, Ivo, 50, questionou o papel de um festival de dança, comentou a programação da
Bienal e falou de sua nova criação,
"Erendira".
Alternando a Bienal de Artes
Visuais com a de Arquitetura, Veneza traz todos os anos uma programação excepcional de dança,
música e teatro, explica Ivo. O festival começa simultaneamente à
abertura da 51ª Mostra Internacional de Artes Visuais (de 8/6 a
2/7). Por lá passarão 14 companhias de diversas partes do mundo -da África às Américas, da
Europa ao Oriente Médio-,
apresentando de rituais tribais à
arte de vanguarda e incluindo algumas estréias mundiais. "O corpo teatral, o corpo feminino, o
corpo em relação às artes visuais,
o corpo com seus limites e expansões são questões que perpassarão a mostra."
Fugindo da idéia de "festival
que apenas coleciona espetáculos" e contrariamente ao circuito
fechado dos festivais europeus,
"que trazem sempre os mesmos
nomes", Ivo resolveu organizar
um simpósio antes do festival,
"não para encontrar soluções,
mas para fazer um trabalho de
observação sobre o corpo do terceiro milênio, o corpo global". Será um encontro interativo, com
participações teóricas e momentos performáticos, refletindo política, social e artisticamente a dança (dias 28 e 29/5).
O espírito provocador é da essência do encontro: "Convidei
uma coreógrafa de Istambul, por
exemplo, que fará um depoimento sobre sua experiência na Turquia e no Irã no que toca ao corpo
feminino na sociedade islâmica
-como o corpo é reprimido,
vendado, escondido". Na seqüência, entra um grupo de Istambul,
com uma coreografia sobre o tema. Também a atriz Antonia San
Juan -conhecida de um dos últimos filmes de Almodóvar, "Tudo
Sobre Minha Mãe"- abordará o
corpo transexual. Da Nova Zelândia, onde há uma tradição tribal
em que o sétimo homem da família é educado como mulher, vem
um grupo que trabalha o papel feminino integrado ao corpo masculino. "Estou tentando refletir
sobre formas radicais do uso do
corpo", diz Ivo.
Ainda nesse prólogo do festival,
será vista uma estréia mundial do
grande coreógrafo norte-americano (radicado na Alemanha)
William Forsythe, intitulada "Você me Fez um Monstro".
O início de festival propriamente dito será com a estréia de
"Erendira", de Ivo, inspirada no
realismo mágico de Gabriel García Márquez. Em seguida, a céu
aberto, acontece uma apresentação do "Ritual do Fogo" de Xavantes do Mato Grosso. Por que
os Xavantes? "Queria levar para
Veneza uma comunidade que
ainda hoje tem uma dimensão física muito viva, tanto do ponto de
vista corporal quanto cultural." O
público poderá ver também a pintura corporal preparatória ao ritual.
Em "Erendira", São Paulo é o
cenário de inspiração, "onde os
dançarinos vêm absorver idéias
para a peça". Foram 40 dias aqui;
e os últimos 20 serão em Veneza.
No elenco, estão sete dançarinos
(um tailandês, um coreano, quatro italianos e uma francesa) e
uma atriz brasileira, Cleide Eunice Queiros.
O trabalho tem três níveis: o primeiro é a "Erendira" de Márquez;
o segundo, a cidade de São Paulo;
e o terceiro, a biografia -a identificação pessoal de cada bailarino
dentro do processo de criação. Há
um trecho do espetáculo onde cada um fala de suas impressões rápidas da chegada: "Quem você é,
como chegou aqui, como vê a cidade e o trabalho". Segundo Ivo,
dia após dia os bailarinos "começam a entender, sair duma fantasia do que é o Brasil e cair na realidade".
"Erendira" é a história de uma
menina de 12 anos que coloca fogo acidentalmente na casa onde
mora com sua avó. Esta decide
que Erendira deverá pagar pelo
prejuízo e a introduz na prostituição. Depois de anos, ela se apaixona e com o namorado tenta envenenar a avó. "Estou atualizando e
multiplicando a personagem
Erendira dentro da cidade de São
Paulo. A dança hoje tem que se
valorizar, assumindo uma perspectiva da realidade. Este trabalho
é um documentário-teatro-dança: o corpo como o espelho do
tempo."
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