São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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BIA ABRAMO

O show da realidade aprisionada


Sabe-se que, ao fim do fim, tudo estará lá como foi, na verdade, previsto desde o seu início

UM DOS paradoxos dos reality shows é a sua previsibilidade. A graça de incluir a "realidade" em um programa televisivo, em tese, apontaria na direção oposta, isto é, para uma maior espontaneidade, naturalidade e, digamos, "abertura" do enredo.
A participação de pessoas comuns no espetáculo televisivo garantiria, ao mesmo tempo, a credibilidade de uma situação realmente vivida (em oposição à encenação) e o elemento surpresa.
Isso pode até ser verdade de início, mas à medida que as edições se sucedem o formato aprisiona o imprevisível -e é exatamente isso que o espectador espera.
Não é diferente com este "O Aprendiz" que estreou na semana retrasada na Record. O público mais ou menos cativo -estudantes de faculdades de administração? Aspirantes a executivos?
Subalternos querendo ver gente parecida com seus chefes sendo escrutinados, avaliados, rejeitados?- do programa volta a ele para ver as mesmas coisas. Curiosos e diletantes surfando na TV podem até parar diante de alguma cena mais intrigante, mas não ficam. Quem fica -e quem volta- é porque já conhece e quer reviver o ritual. No caso de "O Aprendiz", o ritual simula as agruras do mundo corporativo, com seus valores ultracompetitivos, sua falação vazia e empolada, seus modos muito particulares de recompensa e punição, sua crueldade intrínseca.
Claro, a produção, incluindo aí os participantes, se esforça para fazer uma cosmética tanto de novidade como de realidade, por assim dizer.
Esta quinta edição começou com uma prova beirando o absurdo -que deve ser levada a seriíssimo- e muita deitação de falatório duro por Roberto Justus. (Talvez a dureza progressiva se deva ao aumento do butim: agora, aquele que virar sócio do empresário-apresentador-cantor leva R$ 2 milhões).
Na semana que passou, levou ao ar um episódio "atípico", no qual os participantes se submeteram a uma prova comandada por militares, em clima explicitamente imitado das cenas de treinamento dos recrutas do Bope no filme "Tropa de Elite", e, na seqüência, Justus não demitiu ninguém.
Apesar do desfecho aparentemente novo, sabe-se que, ao fim do fim, tudo estará lá como foi, na verdade, previsto desde o início. O ciclo-ritual se repetirá semana a semana, até que um daqueles, o mais resistente e, no fundo, o mais adaptável ao sentido do espetáculo, sairá vencedor.
Cai o pano, e até o próximo.

biabramo.tv@uol.com.br


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