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BASTIDORES DA GLOBO
Militares não impuseram padrão, diz Boni
da Reportagem Local
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), vice-presidente de
operações da Globo até o ano passado e consultor da emissora, disse à Folha que o Padrão Globo de
Qualidade não foi imposto pelos
militares. O que os militares impuseram, segundo ele, foi a cor na
TV. Na entrevista a seguir, ele conta que houve intervenção militar
na Globo nos anos 70.
(MCC)
Folha - Paulo Cesar Ferreira sugere que a Globo contrabandeou
equipamentos para chegar ao interior paulista. É verdade?
José Bonifácio Oliveira Sobrinho
(Boni) - Minha área na televisão
sempre foi a artística, mas eu tinha
informações de todos os procedimentos. A hipótese de contrabando fica eliminada porque a TV tinha isenção de 100% na importação de seus equipamentos.
Como havia um prazo longo para a fabricação das antenas de microondas e era demorado obter o
financiamento, optamos pela admissão temporária de um equipamento valvular, da Segunda Guerra. Usamos o artifício da admissão
temporária porque a lei impedia a
importação de equipamentos usados. Quando as antenas novas ficaram prontas, as velhas voltaram
como sucata para os EUA.
Folha - Ferreira diz que, apesar
de sua obsessão por qualidade, foram os militares que impuseram o
Padrão Globo de Qualidade.
Boni - Isso não tem o menor
fundamento. É uma visão parcial
do Paulo Cesar, uma vez que ele
não teve envolvimento com a área
artística. A TV brasileira sempre
teve seus padrões de qualidade ditados por problemas de ordem
econômica. Quando se implantou
a TV no Brasil, e só havia televisores na classe A, a TV brasileira era
de ótima qualidade. Sempre que as
classes mais baixas têm acesso à
TV -acontece isso de novo, aconteceu no milagre econômico-, há
uma tendência de a audiência ser
endereçada a esse público.
Nos anos 70, a censura era extremamente rígida. As emissoras de
TV tiveram de encontrar um artifício para não serem punidas, o artifício da imediaticidade. Isso está
escrito na lei. Quando um programa é transmitido ao vivo, caracteriza-se a imediaticidade.
Nos programas de auditório, os
próprios apresentadores seriam
punidos, não a emissora, por algum excesso. Essa lei teve um efeito duplo. Quando você cobrava a
questão da qualidade de um apresentador como o Chacrinha ou
Flávio Cavalcanti, ele dizia: "Não,
deixa que a responsabilidade é minha. Se cometer um excesso, eu serei punido". Ganhamos uma boa
desculpa para a censura, mas perdemos um pouco a qualidade.
Folha - Mas por que os militares
ficaram irados?
Boni - Numa guerra entre Chacrinha e Flávio Cavalcanti, o Flávio
anunciou que levaria um sujeito
muito popular, Seu Sete da Lira,
que fazia milagres, curava todo
mundo. O Chacrinha correu e
trouxe o Sete da Lira antes. Na semana seguinte, o Flávio Cavalcanti
levou o Seu Sete da Lira e, não era
estilo de Flávio, acabou tomando
um pileque de cachaça no ar, junto
com Seu Sete da Lira.
Folha - Mas houve intervenção
dos militares?
Boni - Houve. A partir desse
episódio a responsabilidade deixou de ser do apresentador e passou a ser das emissoras. E não houve pressão nenhuma para fazermos programas de qualidade.
Houve pressão para que os programas ao vivo passassem para a responsabilidade das emissoras. Isso
só atingiu os programas de auditório. Fomos obrigados a reduzir os
programas ao vivo e aumentar os
de videotape. Houve também
pressão do ministro das Comunicações, Hygino Corsetti, para que
a televisão se tornasse colorida. Isso era importante para a revolução, era sinal de progresso.
Folha - Ferreira diz no livro que
Corsetti fez a seguinte exigência:
"A TV precisa educar o povo".
Boni - Eu participei dessa reunião e esse episódio não ocorreu. O
Paulo César não estava na reunião.
Estávamos eu, o Walter Clark (diretor da Globo), o João Saad (TV
Bandeirantes), o Edmundo Monteiro (TV Tupi). A qualidade a que
os militares se referiam era qualidade técnica. Eles queriam absolutamente TV em cores, queriam
que inaugurássemos na Festa da
Uva em Caxias porque a filha do
ministro ia desfilar, comemorando o aniversário da revolução.
Folha - A Globo não queria a cor?
Boni - Não. Nós estávamos saindo do prejuízo e com as cores teríamos de investir. Os militares
forçaram a barra. Havia uma posição minha e do Walter (Clark) de
que a implantação seria prematura, que seria uma coisa falsa porque não havia aparelhos para receber as cores e nem equipamento
para produzir em cores.
Folha - É verdade que os militares ameaçaram intervir na Globo
se continuasse a apelação?
Boni - Não. Eles já eram interventores. As novelas eram cortadas. Eu passei um dia no videotape
com a novela "O Bem Amado" e
tirei 92 vezes a palavra coronel
porque foi proibida. Era coronel
no sentido nordestino, de "coroné", não tinha nada de militar.
Folha - Os militares ficavam na
Globo?
Boni - Não. Era um censor civil.
Quem nomeava o diretor da censura eram os militares e eles faziam
pressão sobre esse diretor. Não havia preocupação com qualidade
porque eles não tinham critérios.
Proibiam o que não convinha, não
o que era ruim. O Paulo Cesar pode ter feito essa confusão, apesar
de o livro dele ser bem interessante. Eles proibiam o Seu Sete da Lira
por razões morais, não porque era
mal feito. Nunca existiu por parte
dos militares a preocupação de fazer uma TV de qualidade. Foi uma
preocupação dos profissionais.
Folha - Os militares frequentavam a Globo?
Boni - Não, nós é que íamos a
eles. Íamos para perguntar por que
ele cortou uma notícia, até onde eu
posso ir. Eu fazia isso na parte das
novelas. Quem fazia isso com notícias era o Edgardo Erichsen. O
Walter (Clark) achava que ele era
uma pessoa da TV Globo que estava nos representando junto aos
militares. Eu o via como um representante dos militares na Globo.
Folha - Programas como o do
Amaral Neto era decididos pela
Globo ou impostos pelo governo?
Boni - Eram impostos. Era uma
negociação com os militares. Deixa eu fazer tal novela, libera um
pouco mais o "Jornal Nacional".
Os militares diziam: "Tudo bem
se vocês fizerem um programa que
mostre as boas coisas do Brasil".
Foi o Edgardo que negociou e eu
recebi ordens de colocar no ar. Tive um atrito muito grande com o
Amaral Neto, quase físico, mas depois descobri que ele era uma excelente pessoa que estava fazendo
uma coisa que acreditava.
Tivemos que engolir o Amaral
Neto. Trabalhei muito no programa para poder engolir aquilo, para
transformá-lo em aventura.
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