|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Herzog monta no Rio a imaterialidade de Wagner
Zulmair Rocha/Folha Imagem
|
O cineasta e encenador Werner Herzog, ontem, no Rio |
Cineasta de "Fitzcarraldo" estréia esta semana no Municipal carioca sua visão da ópera "Tannhäuser"
IRINEU FRANCO PERPETUO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Primeiro, foi Shakespeare; agora, Wagner. Tendo encenado, no
Rio de Janeiro, em 92, a peça "Sonho de uma Noite de Verão", o cineasta alemão Werner Herzog,
58, volta à cidade para mostrar
sua visão da ópera "Tannhäuser".
A produção foi originalmente
pensada para o Municipal de São
Paulo, em 96, mas não vingou. Estreou em Sevilha, em 97, viajou
por vários países e chega agora ao
Brasil, com orçamento estimado
em R$ 2 milhões.
O cineasta chegou ao Brasil no
sábado, de San Francisco (EUA),
onde vive, e fica por aqui até a primeira récita da ópera, dia 22. Até 3
de julho, "Tannhäuser" terá cinco
apresentações, com ingressos entre R$ 25 e R$ 80.
Em entrevista concedida à Folha, Herzog disse que os cantores
de ópera precisam de um clima de
intrigas para atuar bem e que,
quando esse clima não existe, ele
mesmo se encarrega de criá-lo.
Folha - O primeiro convite para
fazer "Tannhäuser" veio de São
Paulo, em 96, não?
Werner Herzog - Originou-se no
Brasil, mas houve dificuldades financeiras em São Paulo. Mas a
idéia estava lá, e eu não queria deixá-la inacabada. Foi uma coincidência Sevilha ter querido fazê-la.
Foi um sucesso, e outras casas
de ópera do mundo compraram a
produção. Foi muito estranho,
porque o sistema computadorizado para os ingressos quebrou.
Então foi anunciado nos jornais
que, quem quisesse ver a ópera,
teria de estar lá fisicamente. Na
noite da estréia, em Sevilha, apareceram 50 mil pessoas (risos).
Era como um estádio de futebol
lotado, mas a casa só tinha 1.400
lugares.
Folha - A sua concepção da ópera
pode ser definida como imaterial?
Herzog - É imaterial, como eu digo, "almas em comoção". Você vê
as almas, algo espiritual. O cenário é de pára-quedas que flutuam.
Folha - Por que essa flutuação?
Herzog - Está na música, na história. Não há muita ação, tudo é
interior, o tormento de uma alma.
Foi o que quis fazer visível.
Folha - De onde o sr. tirou a idéia
de empregar 28 ventiladores ?
Herzog - Ao ouvir a música, vi as
imagens assim. Há problemas
técnicos. Você precisa de ventiladores que não façam barulho. Há
um tipo especial que não faz. Nós
tivemos de testá-lo primeiro, e
também pelo menos 20 tipos de
tecidos, até que Franz Blumauer,
o figurinista, chegou a um tipo especial de seda para pára-quedas,
que flutua facilmente ao vento.
Folha - Por que o sr. contrasta as
cores branca e vermelha?
Herzog - O contraste é entre preto e branco. O palco é em branco e
preto, e só Vênus tem vermelho;
só há uma cor, e só para esse personagem. Não há outras cores.
Folha - Por que não?
Herzog - Sempre vi como algo
arquetípico. Eu, por exemplo, só
sonho em preto e branco. Os filmes em preto-e-branco, dos anos
20, 30, 40, 50, são muito mais arquetípicos. Como quando você vê
"Casablanca": tem a ver com o arquétipo de emoções.
Folha - Por que escolheu a versão
de Dresden de "Tannhäuser"?
Herzog - Há razões bem práticas
para isso. Wagner escreveu uma
versão nova, 16 anos depois, em
1861; a que estamos fazendo é de
1845. Ela foi feita em Paris, e lá tinha de haver balé. Então Wagner
teve de acrescentar. Ele não gostava de balé em cena, mas aceitou.
Na versão mais nova, a música é
mais avançada, mais modernizada, mas não é tão coerente e unificada quanto a que se verá aqui.
Folha - Como o sr. foi parar no terreno da ópera ?
Herzog - Não foi planejado, mas
gostei desde o primeiro dia e me
senti seguro sem ter jamais aprendido em parte alguma. Provavelmente fui convidado a fazer ópera
porque, em meus filmes, trabalhei
com a música de uma maneira
muito diferente e intensa.
Folha - O sr. não tem mais controle nos filmes do que na ópera?
Herzog - Não. Se eu quisesse
controle, eu iria trabalhar na linha
de montagem de uma fábrica, para controlar a produção. Você
tem que ser inteligente o suficiente para lidar com os obstáculos,
no filme ou na ópera. Não acho
difícil fazer cinema ou ópera.
Folha - Qual a diferença entre dirigir atores e dirigir cantores?
Herzog - É muito diferente. O
que faz da ópera única é que ao
cantor não é permitido o erro.
Quando um ator erra na frente da
minha câmera, repito até que saia
certo. A ópera parece uma arena
de gladiadores, um esporte com a
participação do público. Se você
comete um erro, será vaiado.
Cantores de ópera, com frequência, criam dramas artificiais,
intrigas etc. E, se não houver essas
coisas nos bastidores, eles não
funcionam. Por isso, às vezes, eu
chego a inventar e espalhar rumores, para deixar todo mundo ouriçado -"a estréia não vai acontecer", coisas do gênero. É como
uma antecipação preventiva dos
medos e ansiedades. Se as ansiedades não estiverem por ali, os
cantores sentem falta de algo.
Folha - Depois do Brasil, quais os
seus planos principais?
Herzog - Tenho dois filmes
prontos para lançar. Estou escrevendo um roteiro sobre um piloto, sonhos de voar etc. Tenho
também outros projetos que preciso escrever primeiro, para depois pôr em produção uns quatro
ou cinco. É sempre assim. Nos últimos anos, fiz uns 12 filmes que
não passaram no Brasil, à exceção
de "Meu Melhor Inimigo".
Folha - Que lembrança o sr. tem
de sua vinda ao Brasil, em 92?
Herzog - As lembranças são
muito boas. Qualquer pretexto de
voltar ao Brasil a trabalho eu agarraria imediatamente.
O jornalista Irineu Franco Perpetuo
viajou a convite do Teatro Municipal do
Rio de Janeiro
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Obra tem versão de Dresden e de Paris Índice
|