São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2001

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Herzog monta no Rio a imaterialidade de Wagner

Zulmair Rocha/Folha Imagem
O cineasta e encenador Werner Herzog, ontem, no Rio


Cineasta de "Fitzcarraldo" estréia esta semana no Municipal carioca sua visão da ópera "Tannhäuser"

IRINEU FRANCO PERPETUO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Primeiro, foi Shakespeare; agora, Wagner. Tendo encenado, no Rio de Janeiro, em 92, a peça "Sonho de uma Noite de Verão", o cineasta alemão Werner Herzog, 58, volta à cidade para mostrar sua visão da ópera "Tannhäuser".
A produção foi originalmente pensada para o Municipal de São Paulo, em 96, mas não vingou. Estreou em Sevilha, em 97, viajou por vários países e chega agora ao Brasil, com orçamento estimado em R$ 2 milhões.
O cineasta chegou ao Brasil no sábado, de San Francisco (EUA), onde vive, e fica por aqui até a primeira récita da ópera, dia 22. Até 3 de julho, "Tannhäuser" terá cinco apresentações, com ingressos entre R$ 25 e R$ 80.
Em entrevista concedida à Folha, Herzog disse que os cantores de ópera precisam de um clima de intrigas para atuar bem e que, quando esse clima não existe, ele mesmo se encarrega de criá-lo.

Folha - O primeiro convite para fazer "Tannhäuser" veio de São Paulo, em 96, não?
Werner Herzog -
Originou-se no Brasil, mas houve dificuldades financeiras em São Paulo. Mas a idéia estava lá, e eu não queria deixá-la inacabada. Foi uma coincidência Sevilha ter querido fazê-la.
Foi um sucesso, e outras casas de ópera do mundo compraram a produção. Foi muito estranho, porque o sistema computadorizado para os ingressos quebrou.
Então foi anunciado nos jornais que, quem quisesse ver a ópera, teria de estar lá fisicamente. Na noite da estréia, em Sevilha, apareceram 50 mil pessoas (risos). Era como um estádio de futebol lotado, mas a casa só tinha 1.400 lugares.

Folha - A sua concepção da ópera pode ser definida como imaterial?
Herzog -
É imaterial, como eu digo, "almas em comoção". Você vê as almas, algo espiritual. O cenário é de pára-quedas que flutuam.

Folha - Por que essa flutuação?
Herzog -
Está na música, na história. Não há muita ação, tudo é interior, o tormento de uma alma. Foi o que quis fazer visível.

Folha - De onde o sr. tirou a idéia de empregar 28 ventiladores ?
Herzog -
Ao ouvir a música, vi as imagens assim. Há problemas técnicos. Você precisa de ventiladores que não façam barulho. Há um tipo especial que não faz. Nós tivemos de testá-lo primeiro, e também pelo menos 20 tipos de tecidos, até que Franz Blumauer, o figurinista, chegou a um tipo especial de seda para pára-quedas, que flutua facilmente ao vento.

Folha - Por que o sr. contrasta as cores branca e vermelha?
Herzog -
O contraste é entre preto e branco. O palco é em branco e preto, e só Vênus tem vermelho; só há uma cor, e só para esse personagem. Não há outras cores.

Folha - Por que não?
Herzog -
Sempre vi como algo arquetípico. Eu, por exemplo, só sonho em preto e branco. Os filmes em preto-e-branco, dos anos 20, 30, 40, 50, são muito mais arquetípicos. Como quando você vê "Casablanca": tem a ver com o arquétipo de emoções.

Folha - Por que escolheu a versão de Dresden de "Tannhäuser"?
Herzog -
Há razões bem práticas para isso. Wagner escreveu uma versão nova, 16 anos depois, em 1861; a que estamos fazendo é de 1845. Ela foi feita em Paris, e lá tinha de haver balé. Então Wagner teve de acrescentar. Ele não gostava de balé em cena, mas aceitou.
Na versão mais nova, a música é mais avançada, mais modernizada, mas não é tão coerente e unificada quanto a que se verá aqui.

Folha - Como o sr. foi parar no terreno da ópera ?
Herzog -
Não foi planejado, mas gostei desde o primeiro dia e me senti seguro sem ter jamais aprendido em parte alguma. Provavelmente fui convidado a fazer ópera porque, em meus filmes, trabalhei com a música de uma maneira muito diferente e intensa.

Folha - O sr. não tem mais controle nos filmes do que na ópera?
Herzog -
Não. Se eu quisesse controle, eu iria trabalhar na linha de montagem de uma fábrica, para controlar a produção. Você tem que ser inteligente o suficiente para lidar com os obstáculos, no filme ou na ópera. Não acho difícil fazer cinema ou ópera.

Folha - Qual a diferença entre dirigir atores e dirigir cantores?
Herzog -
É muito diferente. O que faz da ópera única é que ao cantor não é permitido o erro. Quando um ator erra na frente da minha câmera, repito até que saia certo. A ópera parece uma arena de gladiadores, um esporte com a participação do público. Se você comete um erro, será vaiado.
Cantores de ópera, com frequência, criam dramas artificiais, intrigas etc. E, se não houver essas coisas nos bastidores, eles não funcionam. Por isso, às vezes, eu chego a inventar e espalhar rumores, para deixar todo mundo ouriçado -"a estréia não vai acontecer", coisas do gênero. É como uma antecipação preventiva dos medos e ansiedades. Se as ansiedades não estiverem por ali, os cantores sentem falta de algo.

Folha - Depois do Brasil, quais os seus planos principais?
Herzog -
Tenho dois filmes prontos para lançar. Estou escrevendo um roteiro sobre um piloto, sonhos de voar etc. Tenho também outros projetos que preciso escrever primeiro, para depois pôr em produção uns quatro ou cinco. É sempre assim. Nos últimos anos, fiz uns 12 filmes que não passaram no Brasil, à exceção de "Meu Melhor Inimigo".

Folha - Que lembrança o sr. tem de sua vinda ao Brasil, em 92?
Herzog -
As lembranças são muito boas. Qualquer pretexto de voltar ao Brasil a trabalho eu agarraria imediatamente.


O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou a convite do Teatro Municipal do Rio de Janeiro



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