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ENCONTRO VERSALHES
Érik Orsenna presidiu debates em evento na França, na última semana
Ofício do escritor é criar mundos, diz francês
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os Encontros de Versalhes, que
se inauguraram no ano passado,
reúnem personalidades e intelectuais do mundo inteiro para refletir sobre os valores do homem no
terceiro milênio. Levam este nome porque ocorrem, justamente,
no castelo de Versalhes (20 km a
oeste de Paris).
A educação e a paz foram os temas dos debates da segunda edição do fórum, que ocorreu entre
quinta e sábado últimos.
As oito mesas-redondas do
evento, presididas pelo escritor
Érik Orsenna, sob o amparo pelo
governo federal francês e da
Unesco, discutiram temas como a
mercantilização da educação e a
religião como fator gerador de
paz ou de guerra.
Orsenna -que é membro da
Academia Francesa de Letras e
autor de "A Exposição Colonial"
(ed. Paz e Terra, R$ 38), um clássico sobre a Amazônia que lhe valeu o prêmio Goncourt em
1988- falou à Folha sobre os encontros, sobre literatura e globalização. Leia a seguir a entrevista
com o escritor.
Folha- Por que os encontros são
em Versalhes, e não em Paris?
Érik Orsenna - Porque o castelo é
um dos raros lugares onde, graças
à vontade de um homem, Luis 14,
se criou -ou melhor, se recriou- uma civilização.
E o que nos interessa, neste momento, é saber se o dinheiro pode
ou não criar uma civilização.
Aqui, em Versalhes, foi possível.
Havia dinheiro, mas não havia somente isso.
Folha- Qual é o efeito da mundialização sobre as diferentes culturas
mundiais?
Orsenna - Hoje existe um mundo totalmente cosmopolita, e, por
outro lado, as pessoas continuam
a insistir nas particularidades nacionais. Há pessoas que podem
ser cosmopolitas, outras que não.
Folha - Qual o efeito da mundialização sobre a literatura?
Orsenna - A desaparição das línguas. Isto por causa da tendência
a falar a língua de 500 palavras
que eu chamo de "globês".
São as 500 palavras necessárias
para a sobrevivência, as palavras
do dinheiro, que é o equivalente
geral. Não é útil para a economia
ter 15 palavras para dizer a mesma
coisa.
Ora, a maior obra de arte coletiva é uma língua, seja ela qual for, e
não há nada pior do que relegá-la
ao esquecimento. Perder uma estátua de Buda é terrível, mas perder uma língua equivale a perder
o budismo.
Folha- Qual é o papel do escritor?
Orsenna - O escritor é aquele que
não cede ao "globês", ele é o apóstolo da diversidade, o inimigo do
standard.
Folha - Isso significa que ou o escritor é original ou simplesmente
não é?
Orsenna - Claro. Os grandes escritores são capazes de criar mundos e, por isso, o nosso trabalho é
da maior importância hoje.
Folha - Como a educação pode
preservar as diferenças culturais?
Orsenna - Há um certo número
de saberes que são os mesmos para todos os países porque são os
saberes anexos à mercadoria.
Agora, há outros que implicam a
língua, a cultura, o território. A
educação envolve estes dois saberes -o standard, padrão, e o individual. O ser humano pode ser
comparado a uma empresa.
Folha - Como assim?
Orsenna - Construir-se, construir a própria vida é se construir
como uma empresa, com a criação de valores -que não são os
do mercado, obviamente. O que é
uma vida se não a criação de valores? Cada ser humano é um empreendedor de si mesmo.
Folha - E os novos portadores da
paz, quem são eles?
Orsenna - Os realistas. Não pode
haver paz se não levarmos em
conta os territórios. O ser humano está profundamente ligado ao
território. Veja o conflito do
Oriente Médio.
Por outro lado, é preciso levar
em conta as pressões demográficas. Mas nada disso é suficiente se
não não reinventarmos os valores
urbanos.
Folha - Você não acha que seria
necessário introduzir a reflexão sobre a paz nas escolas?
Orsenna - Acho. A educação para mim é o ensinamento da paz.
Folha - Esta reflexão poderia ser
facilmente introduzida através de
outra sobre a amizade, um tema
que é fundamental para os jovens.
A amizade supõe uma ética contrária à violência, a ética da delicadeza ou da contenção.
Orsenna - E o ensinamento da
delicadeza tornou-se hoje decisivo.
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