São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2001

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ENCONTRO VERSALHES

Érik Orsenna presidiu debates em evento na França, na última semana

Ofício do escritor é criar mundos, diz francês

BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os Encontros de Versalhes, que se inauguraram no ano passado, reúnem personalidades e intelectuais do mundo inteiro para refletir sobre os valores do homem no terceiro milênio. Levam este nome porque ocorrem, justamente, no castelo de Versalhes (20 km a oeste de Paris).
A educação e a paz foram os temas dos debates da segunda edição do fórum, que ocorreu entre quinta e sábado últimos.
As oito mesas-redondas do evento, presididas pelo escritor Érik Orsenna, sob o amparo pelo governo federal francês e da Unesco, discutiram temas como a mercantilização da educação e a religião como fator gerador de paz ou de guerra.
Orsenna -que é membro da Academia Francesa de Letras e autor de "A Exposição Colonial" (ed. Paz e Terra, R$ 38), um clássico sobre a Amazônia que lhe valeu o prêmio Goncourt em 1988- falou à Folha sobre os encontros, sobre literatura e globalização. Leia a seguir a entrevista com o escritor.

Folha- Por que os encontros são em Versalhes, e não em Paris?
Érik Orsenna -
Porque o castelo é um dos raros lugares onde, graças à vontade de um homem, Luis 14, se criou -ou melhor, se recriou- uma civilização.
E o que nos interessa, neste momento, é saber se o dinheiro pode ou não criar uma civilização. Aqui, em Versalhes, foi possível. Havia dinheiro, mas não havia somente isso.

Folha- Qual é o efeito da mundialização sobre as diferentes culturas mundiais?
Orsenna -
Hoje existe um mundo totalmente cosmopolita, e, por outro lado, as pessoas continuam a insistir nas particularidades nacionais. Há pessoas que podem ser cosmopolitas, outras que não.

Folha - Qual o efeito da mundialização sobre a literatura?
Orsenna -
A desaparição das línguas. Isto por causa da tendência a falar a língua de 500 palavras que eu chamo de "globês".
São as 500 palavras necessárias para a sobrevivência, as palavras do dinheiro, que é o equivalente geral. Não é útil para a economia ter 15 palavras para dizer a mesma coisa.
Ora, a maior obra de arte coletiva é uma língua, seja ela qual for, e não há nada pior do que relegá-la ao esquecimento. Perder uma estátua de Buda é terrível, mas perder uma língua equivale a perder o budismo.

Folha- Qual é o papel do escritor?
Orsenna -
O escritor é aquele que não cede ao "globês", ele é o apóstolo da diversidade, o inimigo do standard.

Folha - Isso significa que ou o escritor é original ou simplesmente não é?
Orsenna -
Claro. Os grandes escritores são capazes de criar mundos e, por isso, o nosso trabalho é da maior importância hoje.

Folha - Como a educação pode preservar as diferenças culturais?
Orsenna -
Há um certo número de saberes que são os mesmos para todos os países porque são os saberes anexos à mercadoria. Agora, há outros que implicam a língua, a cultura, o território. A educação envolve estes dois saberes -o standard, padrão, e o individual. O ser humano pode ser comparado a uma empresa.

Folha - Como assim?
Orsenna -
Construir-se, construir a própria vida é se construir como uma empresa, com a criação de valores -que não são os do mercado, obviamente. O que é uma vida se não a criação de valores? Cada ser humano é um empreendedor de si mesmo.

Folha - E os novos portadores da paz, quem são eles?
Orsenna -
Os realistas. Não pode haver paz se não levarmos em conta os territórios. O ser humano está profundamente ligado ao território. Veja o conflito do Oriente Médio.
Por outro lado, é preciso levar em conta as pressões demográficas. Mas nada disso é suficiente se não não reinventarmos os valores urbanos.

Folha - Você não acha que seria necessário introduzir a reflexão sobre a paz nas escolas?
Orsenna -
Acho. A educação para mim é o ensinamento da paz.

Folha - Esta reflexão poderia ser facilmente introduzida através de outra sobre a amizade, um tema que é fundamental para os jovens. A amizade supõe uma ética contrária à violência, a ética da delicadeza ou da contenção.
Orsenna -
E o ensinamento da delicadeza tornou-se hoje decisivo.


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