São Paulo, sábado, 18 de junho de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

Penúltimo capítulo de "Os Sertões" exige maior trabalho de atores, com personagens individualizados

Desafio do Oficina aumenta com "A Luta"

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A saga dos "Sertões" chega ao seu penúltimo capítulo. Tempo de mudança. Forjados na exigente bigorna do Oficina, os atores resistem à exaustão, chegando à 20ª hora de espetáculo, numa aventura de vida inteira. Dançaram a paisagem na "Terra", expuseram a cor de suas peles nas duas partes do "Homem", agora não fogem à "Luta". Mas o desafio é bem maior.
Não basta mais serem bacantes. Personagens devem surgir, individualizados, por mérito de atores capazes de assumir a responsabilidade de interpretar fatos. Não mais só foliões da "tragicomediaorgya" brasileira, mas artilheiros do teatro-estádio sonhado por Oswald de Andrade, guerrilheiros do desfiladeiro da arquibancada tramada por Lina Bo Bardi.
O público é menos solicitado: tempo de um maior distanciamento crítico. A terra que cobria o chão do teatro sumiu: o buraco das trincheiras é mais em baixo, passarela subterrânea de metal, ossos por baixo da emoção epidérmica. A Terra continua no corpo das atrizes, agora perigosas como mandrágoras, em conflito com os homens-pênis-canhões, armados pelo reforço precioso da tecnologia onírico-bélica de Oswaldo Gabrielli, diretor de arte. Alinhavando as seis horas de espetáculo, outro reforço é a trilha de Lira Paes, impondo a nobreza rústica dos versos de cordel.
Os atores vencem o desafio? Ainda não. O Oficina ainda tem mais arautos do que intérpretes. Mas já cumpriram etapas essenciais, como se livrar do narcisismo. Não há heróis nessa suja guerra civil, que permanecia por tempo demais recalcada na história. É compreensível: há pouco patriotismo e lições cívicas em um Exército mal treinado em meio hostil, enfrentando fanáticos donos de uma estratégia mais revolucionária do que a de Napoleão.
De que lado está o amor à pátria? Essa ambigüidade ainda pode ser vista na cena em que o público se une com relutância ao hino à bandeira, ainda rescaldado pelo "ame-o ou deixo-o" da ditadura. É herói Manuel Ferreira, defendido por Freddy Allan, o comandante adolescente da Primeira Expedição de Infantes, que vai se destroçando em cena como nas peças de Beckett, sem perder nunca seu foco nem sua energia? É herói o coronel Moreira César, apresentado como um Ricardo 3º em teste por Ricardo Bittencourt? Ou o sublime e grotesco empalamento do coronel Tamarindo?
"Os Sertões" chega à penúltima etapa sempre se apoiando solidamente em uma multimídia embasada em Piscator e Meyerhold, que faz pontes preciosas com a atualidade. Para ultrapassar a mera sedução da rave, conseguindo através da "re-volução" que contagia a platéia jovem a obtenção de uma nova lucidez, ainda há mais o que ganhar. Mas, diante do reconhecimento de uma excelência internacional, o que se espera é uma nova altura para o teatro brasileiro. E o Oficina está armado como poucos grupos no mundo para isso. Basta, por exemplo, um agudo de Letícia Coura e a Broadway desmorona feito Jericó.


Os Sertões - A Luta: Primeira Parte
   
Texto: Euclydes da Cunha
Adaptação e direção: José Celso Martinez Corrêa
Com: grupo Oficina Uzyna Uzona
Onde: Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. 3106-2818)
Quando: sáb. e dom.: 18h. Até 25/6
Quanto: R$ 30


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