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TEATRO/CRÍTICA
Penúltimo capítulo de "Os Sertões" exige maior trabalho de atores, com personagens individualizados
Desafio do Oficina aumenta com "A Luta"
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A saga dos "Sertões" chega
ao seu penúltimo capítulo.
Tempo de mudança. Forjados na
exigente bigorna do Oficina, os
atores resistem à exaustão, chegando à 20ª hora de espetáculo,
numa aventura de vida inteira.
Dançaram a paisagem na "Terra",
expuseram a cor de suas peles nas
duas partes do "Homem", agora
não fogem à "Luta". Mas o desafio
é bem maior.
Não basta mais serem bacantes.
Personagens devem surgir, individualizados, por mérito de atores
capazes de assumir a responsabilidade de interpretar fatos. Não
mais só foliões da "tragicomediaorgya" brasileira, mas artilheiros do teatro-estádio sonhado por
Oswald de Andrade, guerrilheiros
do desfiladeiro da arquibancada
tramada por Lina Bo Bardi.
O público é menos solicitado:
tempo de um maior distanciamento crítico. A terra que cobria o
chão do teatro sumiu: o buraco
das trincheiras é mais em baixo,
passarela subterrânea de metal,
ossos por baixo da emoção epidérmica. A Terra continua no
corpo das atrizes, agora perigosas
como mandrágoras, em conflito
com os homens-pênis-canhões,
armados pelo reforço precioso da
tecnologia onírico-bélica de Oswaldo Gabrielli, diretor de arte.
Alinhavando as seis horas de espetáculo, outro reforço é a trilha
de Lira Paes, impondo a nobreza
rústica dos versos de cordel.
Os atores vencem o desafio?
Ainda não. O Oficina ainda tem
mais arautos do que intérpretes.
Mas já cumpriram etapas essenciais, como se livrar do narcisismo. Não há heróis nessa suja
guerra civil, que permanecia por
tempo demais recalcada na história. É compreensível: há pouco
patriotismo e lições cívicas em um
Exército mal treinado em meio
hostil, enfrentando fanáticos donos de uma estratégia mais revolucionária do que a de Napoleão.
De que lado está o amor à pátria? Essa ambigüidade ainda pode ser vista na cena em que o público se une com relutância ao hino à bandeira, ainda rescaldado
pelo "ame-o ou deixo-o" da ditadura. É herói Manuel Ferreira, defendido por Freddy Allan, o comandante adolescente da Primeira Expedição de Infantes, que vai
se destroçando em cena como nas
peças de Beckett, sem perder nunca seu foco nem sua energia? É herói o coronel Moreira César, apresentado como um Ricardo 3º em
teste por Ricardo Bittencourt? Ou
o sublime e grotesco empalamento do coronel Tamarindo?
"Os Sertões" chega à penúltima
etapa sempre se apoiando solidamente em uma multimídia embasada em Piscator e Meyerhold,
que faz pontes preciosas com a
atualidade. Para ultrapassar a mera sedução da rave, conseguindo
através da "re-volução" que contagia a platéia jovem a obtenção
de uma nova lucidez, ainda há
mais o que ganhar. Mas, diante do
reconhecimento de uma excelência internacional, o que se espera é
uma nova altura para o teatro brasileiro. E o Oficina está armado
como poucos grupos no mundo
para isso. Basta, por exemplo, um
agudo de Letícia Coura e a Broadway desmorona feito Jericó.
Os Sertões - A Luta: Primeira Parte
Texto: Euclydes da Cunha
Adaptação e direção: José Celso
Martinez Corrêa
Com: grupo Oficina Uzyna Uzona
Onde: Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela
Vista, tel. 3106-2818)
Quando: sáb. e dom.: 18h. Até 25/6
Quanto: R$ 30
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