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CRÔNICAS/"AINDA LEMBRO"
Jean Wyllys faz desfile de banalidades
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O livro do ex-BBB Jean Wyllys é emblemático. Mercadoria só. "Jean Wyllys veste
complexo B". A metaorelha sarcástica e um tanto sádica escrita
por Bial ("fazer uma orelha para competir com a orelha propriamente dita do autor deste livro é impossível"). O convite descobridor de talentos feito por Huck. A confissão lapidar: "Quero ser
Paulo Coelho". A feição mercantil
e kitsch revela-se nas citações, a
maioria delas de compositores
populares, atores e atrizes de telenovela. Esta é a paidéia do autor:
"Sou das canções".
No interior da Bahia ele ouviu as
mensagens da música popular
brasileira. O seu Ciep foi a MPB.
Tudo na vida o faz lembrar, comovido e sentimental, uma canção: seja de Gil, de Caetano, de
Chico, de Roberto Carlos, de Mercury, de Cazuza, de Monte, de Gal,
de Rô Rô, de Calcanhoto. Exemplo: "O confinamento me trouxe
mais uma vez ao Rio de Janeiro,
que, como diz a canção de Gilberto Gil, continua lindo e continua
sendo o Rio de Janeiro."
Por aí vai: "Como diz uma canção de Chico César, é o meu cantar que sopra vida quando as horas mortas". Banalidade desse tipo é encontradiça em quase toda
página: "O entardecer em Ipanema é capaz de tornar relativa
qualquer estatística de violência
ou, simplesmente, de mostrar que
o Rio ainda é uma novela de Manoel Carlos". Meteram-lhe na cabeça (ele não tem culpa) que existe poesia nas letras de música.
O autor é apaixonado por tudo
da TV Globo, mas ele tem lá sua
antipatia pela revolução cubana.
Anglicizado, o nome dele, ou o
seu pseudônimo, é indício de baixa extração social. O que ele curte
politicamente é o PT por ter trazido "a ampliação do espaço da cidadania", e por desfraldar a bandeira arco-íris gay na Paulista.
Referindo-se a seu próprio peixe: "Há de sobreviver à maledicência, à arrogância, à hipocrisia e
ao cinismo de intelectuais não
premiados pela vida", o que lembra Arnaldo Jabor discorrendo
sobre o tipo ressentido na época
pós-ideológica, isto é, na época
antimarxismo. Sartre considerou
o colonialismo um sistema. A
mesma coisa pode ser dita do capitalismo videofinanceiro comandado pela TV. Trata-se de
um sistema em que Wyllys está
para Amaury Junior, assim como
Glória Perez está para Markum
ou Roberto D'Avila.
Wyllys salvou-se do genocídio e
indigitou o único caminho para a
juventude trilhar: a carreira de
craque esportivo, de modelo da
moda e de ator de telenovela. Brilhar, brilhar, brilhar, porque é
besteira estudar. Quem estuda
acaba não conseguindo emprego.
E quando o consegue, ganha mal.
Grana mesmo, vidão, é só craque-modelo-ator, a quintessência deste aparelho ideológico chamado
Big Brother, que é o paroxismo
ágrafo da indústria cultural brasileira como ponta de lança da hegemonia multinacional. O poeta
Mallarmé falou que tudo no mundo existe para virar livro, mas no
caso do simpático Wyllys melhor
teria sido se ele descolasse um
trampo de apresentador de TV.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de
"A Salvação da Lavoura" (Casa Amarela)
Ainda Lembro
Autor: Jean Wyllys
Editora: Globo
Quanto: R$ 14,90 (112 págs.)
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