São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2007

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Jogada de risco

Domingos Oliveira opta por lançar seu filme "Carreiras" na TV, antes do cinema; "Só nos resta experimentar", diz ele

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Aos 70 anos, Domingos Oliveira não perdeu o gosto pelo risco. Em "Carreiras", seu 11º longa-metragem (que já teve versão teatral homônima em cartaz no ano passado em São Paulo), transformou um monólogo de Oduvaldo Vianna Filho, escrito nos anos 70 ("Corpo a Corpo"), em uma reflexão contemporânea sobre a mulher, o desejo e o trabalho.
Todo o processo de realização do filme também foi arriscado: a equipe concordou em trabalhar em cooperativa, o que reduziu os custos de produção para R$ 35 mil. O método foi chamado de B.O.A.A. -Baixo Orçamento e Alto Astral.
Agora, na hora de lançar o filme, corre o maior risco de todos: exibi-lo primeiro na televisão, quebrando a lei do mercado que define a sala de cinema como a primeira janela de um filme, e a TV, a última.
"Carreiras" será exibido hoje no Canal Brasil, às 22h, e, na sexta-feira, chega aos cinemas de várias capitais.
"Passar na TV antes foi uma decisão minha. O mercado está completamente sem regras, sem saídas para o filme independente. Por isso só nos resta experimentar, buscar caminhos alternativos. Talvez exibir esse filme em primeira mão na TV fechada possa, pelo menos, me servir como boca a boca."
Oliveira sabe que os R$ 35 mil que custaram para filmar são ilusórios. O custo real é bem maior quando entram em jogo a pós-produção e o lançamento. Realizado com câmeras digitais em nove noites, "Carreiras" vem freqüentando festivais de cinema desde 2005.
"Depois, participamos dos editais de finalização, mas fomos rejeitados. O filme foi considerado pronto pelo fato de ter sido exibido em projeção digital nos festivais, mas não estava pronto no formato convencional para a exibição na maior parte dos cinemas de hoje, a película", diz o cineasta.
Depois do B.O.A.A., o cineasta vai propor à Ancine e à Petrobras o "edital do filme pronto". A idéia é tentar viabilizar mais filmes no sistema de cooperativa, realizados independentemente dos editais e leis de incentivo, mas dando aos produtores a chance de receber de volta os recursos aplicados.
"O B.O.A.A. não é nenhuma novidade. É o que se fez no teatro a vida inteira, a cooperativa. Para ser filmado, em digital, "Carreiras" custou R$ 35 mil, mas com a transferência para a película, o orçamento pulou para R$ 900 mil. O edital do filme pronto estimularia o risco e ajudaria a viabilizar o bom filme independente", diz.
Oliveira esclarece que não defende apenas filmes de baixo orçamento. "Mas um artista precisa conseguir planejar a sua produção sem depender das formas de financiamento tradicionais e do cinema comercial. Na verdade, o edital do filme pronto poderia ser aplicado em várias escalas", avalia ele. "Os filmes brasileiros não se pagam, a única expectativa realista é a do milagre."
Oliveira tem consciência de que todo esse esforço é uma jogada no escuro. É difícil medir o grau de comunicabilidade de um filme voltado para o público adulto, com lançamento no circuito de arte.
No entanto, ele tem o palpite de que São Paulo pode entender os dilemas de Ana Laura, a protagonista de "Carreiras", âncora de um telejornal que entra em parafuso quando descobre que será substituída por uma apresentadora jovem.
"Tenho pouca penetração em São Paulo, mas a cidade sempre compreendeu melhor as minhas intenções. Quando me condenaram por fazer filmes sobre relações humanas, os paulistas me apoiaram. "Carreiras" é sobre a dureza do mercado de trabalho. É um filme áspero, ágil e violento como São Paulo."
Na pré-estréia do longa em São Paulo, Oliveira promete fazer uma "cafonada": "Vou dançar uma valsa com a Priscilla na frente de todo o mundo". É que ele está completando 50 anos de carreira e 25 anos de casamento com Priscilla Rozenbaum, protagonista do filme.


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