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Jogada de risco
Domingos Oliveira opta por lançar seu filme "Carreiras" na TV, antes do cinema; "Só nos resta experimentar", diz ele
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Aos 70 anos, Domingos Oliveira não perdeu o gosto pelo
risco. Em "Carreiras", seu 11º
longa-metragem (que já teve
versão teatral homônima em
cartaz no ano passado em São
Paulo), transformou um monólogo de Oduvaldo Vianna Filho,
escrito nos anos 70 ("Corpo a
Corpo"), em uma reflexão contemporânea sobre a mulher, o
desejo e o trabalho.
Todo o processo de realização do filme também foi arriscado: a equipe concordou em
trabalhar em cooperativa, o
que reduziu os custos de produção para R$ 35 mil. O método
foi chamado de B.O.A.A. -Baixo Orçamento e Alto Astral.
Agora, na hora de lançar o filme, corre o maior risco de todos: exibi-lo primeiro na televisão, quebrando a lei do mercado que define a sala de cinema
como a primeira janela de um
filme, e a TV, a última.
"Carreiras" será exibido hoje
no Canal Brasil, às 22h, e, na
sexta-feira, chega aos cinemas
de várias capitais.
"Passar na TV antes foi uma
decisão minha. O mercado está
completamente sem regras,
sem saídas para o filme independente. Por isso só nos resta
experimentar, buscar caminhos alternativos. Talvez exibir
esse filme em primeira mão na
TV fechada possa, pelo menos,
me servir como boca a boca."
Oliveira sabe que os R$ 35
mil que custaram para filmar
são ilusórios. O custo real é
bem maior quando entram em
jogo a pós-produção e o lançamento. Realizado com câmeras
digitais em nove noites, "Carreiras" vem freqüentando festivais de cinema desde 2005.
"Depois, participamos dos
editais de finalização, mas fomos rejeitados. O filme foi considerado pronto pelo fato de ter
sido exibido em projeção digital nos festivais, mas não estava
pronto no formato convencional para a exibição na maior
parte dos cinemas de hoje, a película", diz o cineasta.
Depois do B.O.A.A., o cineasta vai propor à Ancine e à Petrobras o "edital do filme pronto". A idéia é tentar viabilizar
mais filmes no sistema de cooperativa, realizados independentemente dos editais e leis de
incentivo, mas dando aos produtores a chance de receber de
volta os recursos aplicados.
"O B.O.A.A. não é nenhuma
novidade. É o que se fez no teatro a vida inteira, a cooperativa.
Para ser filmado, em digital,
"Carreiras" custou R$ 35 mil,
mas com a transferência para a
película, o orçamento pulou para R$ 900 mil. O edital do filme
pronto estimularia o risco e
ajudaria a viabilizar o bom filme independente", diz.
Oliveira esclarece que não
defende apenas filmes de baixo
orçamento. "Mas um artista
precisa conseguir planejar a
sua produção sem depender
das formas de financiamento
tradicionais e do cinema comercial. Na verdade, o edital do
filme pronto poderia ser aplicado em várias escalas", avalia
ele. "Os filmes brasileiros não
se pagam, a única expectativa
realista é a do milagre."
Oliveira tem consciência de
que todo esse esforço é uma jogada no escuro. É difícil medir o
grau de comunicabilidade de
um filme voltado para o público
adulto, com lançamento no circuito de arte.
No entanto, ele tem o palpite
de que São Paulo pode entender os dilemas de Ana Laura, a
protagonista de "Carreiras",
âncora de um telejornal que entra em parafuso quando descobre que será substituída por
uma apresentadora jovem.
"Tenho pouca penetração
em São Paulo, mas a cidade
sempre compreendeu melhor
as minhas intenções. Quando
me condenaram por fazer filmes sobre relações humanas,
os paulistas me apoiaram. "Carreiras" é sobre a dureza do mercado de trabalho. É um filme
áspero, ágil e violento como São
Paulo."
Na pré-estréia do longa em
São Paulo, Oliveira promete fazer uma "cafonada": "Vou dançar uma valsa com a Priscilla na
frente de todo o mundo". É que
ele está completando 50 anos
de carreira e 25 anos de casamento com Priscilla Rozenbaum, protagonista do filme.
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