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Rivane Neuenschwander leva obras do acaso a NY e à Suécia
Artista mineira ocupa três andares do New Museum e tem mostra marcada em museu sueco
Obras são provocações à
participação do público,
como policiais que farão
retratos falados de
amores dos visitantes
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE
Ela não fala muito. Diz que
prefere escrever. Mas está ali,
com os olhos azuis bem abertos, pronta para a conversa.
Só que as palavras não vêm.
Sobre a toalha de mesa
cor-de-rosa, um arsenal de
distrações. Pães de queijo
saídos do forno, café acabado de passar, bolo de fubá.
Rivane Neuenschwander
engole o silêncio e mostra na
tela do computador a cena de
um filme no YouTube.
Só quando descreve Gene
Hackman destruindo o apartamento em "A Conversação", de Francis Ford Coppola, parece destravar a língua.
Não venceu a timidez. Ela
continua à espera de munição para o discurso calculado, temas que vêm das imagens no monitor. Da mesma
forma reticente, a obra dessa
artista parece propor silêncios só cortados pelo público.
Não espanta que a mineira
Neuenschwander, descendente de suíços, tenha mandado fazer máquinas de escrever sem letras, só com
pontos finais, para uma de
suas maiores instalações.
Mas, ao contrário das reticências na fala e nas obras,
sua carreira agora adentra
um terreno de exclamações.
Na semana que vem, ela
ocupa três andares com
obras suas no New Museum,
de Nova York. E no fim do
ano, tem mostra marcada no
Malmö Konsthall, na Suécia.
Numa das obras centrais
da mostra em Nova York, ela
mandou instalar microfones
escondidos no piso e numa
parede antes mesmo de viajar para lá. Quando chegar,
vai destruir a parede, do mesmo jeito que no filme de Coppola, atrás dos aparelhos.
No fim das contas, a gravação desse ruído todo é o que
fica exposto para o público.
"Me interessa que gravem
a destruição", conta a artista
à Folha, em seu ateliê em Belo Horizonte. "É um embate
entre construção e acaso,
não sei prever que configuração esse trabalho vai ter."
Mas é certo que vai funcionar da forma como o resto de
sua obra. É sempre uma provocação, um vazio, seguido
de gestos para acalmar a desordem, estruturar o caos.
"Tenho muito pouco de
autoria mesmo", diz
Neuenschwander. "Mas é
porque já tem muita coisa no
mundo, é só organizar."
Ela constrói então um inventário de formas, ou melhor, recruta estilhaços do
cotidiano, banais até não poder mais, para suas obras.
Baldes cheios d'água vão
ficar pendurados no teto do
museu, gotejando sobre outros recipientes logo abaixo.
Alguém em Nova York ficará encarregado de administrar a tempestade doméstica, que dura quatro horas.
Da mesma forma que os 91
dias de duração dessa exposição determinam a existência de 91 colagens numa parede. São rodelas minúsculas
de papel em fundo preto.
Cada constelação dessas,
de pontos brancos sobre o
preto, é uma "noite picotada" de uma edição do "Livro
das Mil e Uma Noites".
Neuenschwander não sabia como cada colagem ficaria. Também não podia prever o resultado do filme que
fez furando 1.001 buracos na
própria película de 16 mm.
RETRATO FALADO
Tudo parece estar fadado
ao acaso, destino incerto
com certo potencial plástico.
Em outra obra-performance que leva ao New Museum,
Neuenschwander contratou
policiais para fazer o retrato
falado do primeiro amor de
cada visitante da mostra.
"É resgatar na memória essa pessoa", descreve. "Mas
em contraste com uma poética de investigação criminal."
Na Suécia, ela vai instalar
58 painéis de acrílico cheios
de temperos coloridos, que
também vão passar por
transformações incontroláveis ao longo do tempo.
Neuenschwander parece
desenhar sua obra em torno
da própria ausência. São os
microfones cavados na parede, os policiais desenhando
amantes perdidos, os furos
de velhos contos mofados.
Mas nada é puro acaso.
"Precariedade é uma coisa,
oportunidade é outra", resume a artista. "Nada é feito
sem pensamento, para cada
acaso, precisa haver um controle." Mesmo precário.
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