São Paulo, Sexta-feira, 18 de Junho de 1999
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GASTRONOMIA
O melhor chef traz à vista e ao paladar simplicidade e bom gosto

NINA HORTA
Colunista da Folha


Acabou-se o Fispal Gourmet Show, que foi um sucesso, comandado pelo chef Laurent Suaudeau.
O que é este show? Nada mais do que concursos de culinária que têm como objetivo preparar e qualificar profissionais brasileiros integrando-os num contexto internacional. Incentivam o trabalho que já vem sendo feito por escolas privadas, como o Senac, e particulares, como a de Suaudeau e outras. A ênfase é dada à identidade culinária dos países e Estados competidores.
Seriam mesmo competidores? É claro que não. São profissionais que compartilham, dentro de regras estabelecidas, todo o seu know-how e criatividade. Com bom humor, alegria e companheirismo.
Fui convidada, o que muito me honrou, a ser jurada do concurso Jovens Talentos. O objetivo deste concurso é conscientizar o cozinheiro de sua identidade brasileira, abrir seus olhos para os produtos de sua terra e sua valorização, e fazer contato entre os jovens talentos deste nosso enorme Brasil. O lema seria qualquer coisa como: "Ser para Ter".
Os "temas" a serem cozinhados e desenvolvidos em receitas de bom sabor, beleza e originalidade eram o mero e a lagosta.
Caí no partido da lagosta, com muito gosto. Dentro de suas pequenas e bem aparelhadas cozinhas, os chefs trabalhavam suas receitas. Trouxeram ou mandaram vir de casa os produtos típicos de suas regiões e muitos de nós vimos pela primeira vez o ora-pro-nóbis e a vinagreira. Vestiam-se do branco perfeito e tinham o timing perfeito de relógios suíços, sem nervosismos ou afobações.
Faz anos que venho escutando o "bate-bate em pedra dura tanto bate até que fura" do chef Laurent Suaudeau. Quantas e quantas vezes o escutei dizer que os cozinheiros precisam de técnica, muita técnica, disciplina e mais isto e aquilo. Quantas vezes também duvidei disso, pensando com meus botões que a comida brasileira, tendo sido sempre pobre, sem influência de uma rica corte, não se complicou. Para manter a identidade bastariam os ingredientes da terra e uma boa mão. Hoje não penso mais assim. Vejo a culinária como um processo, uma cena de mudança, um ir e vir, e as técnicas são, sim, imprescindíveis para "segurar" uma cozinha de peso que quer ter seus pés firmes na terra e progredir ao mesmo tempo.
Vamos ver se consigo me explicar. O melhor chef é o de melhor avesso, como nos bordados finos. Aquele que aprendeu tão bem as técnicas que, ao transpor sua receita para o prato, traz à vista e ao paladar somente a simplicidade e o bom gosto. Os truques e todo o seu aprendizado são o avesso precioso.
Uso o exemplo do chef que tirou o segundo lugar. Uso também a memória, que pode ser traiçoeira. Dentre tantas, lembro-me de uma cauda de lagosta pequena, cozida no ponto certo, em água, cheiro-verde, coentro e sal. Sal, muito importante o sal, pois a lagosta é doce. O recheio dava um toque vivo e brasileiro. E sabem o que era? Um purezinho de abóbora com carne-seca. E muito bom. Do lado, como guarnição, uma pequena cesta sem alça, de acabamento perfeito, feita de couve, que segurava dentro um suflê de arroz com leite de coco. Mais não teria, era a simplicidade em pessoa.
E vimos cuscuzinhos de lagosta sobre coulis de agrião. Tuiles de camarão seco, sim senhores... Nota dez a todos e parabéns aos vencedores de Bahia, Ceará e São Paulo. Que bons ventos os levem aos seus estágios de Bocuses da vida e que ensinem e que aprendam são nossos votos. Até o próximo!


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