São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2000


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Freud - Vem aí o divã do pai da psicanálise

Reprodução
Divã de Sigmund Freud (1856-1939), na sala da casa onde viveu em Londres de 1938 até a sua morte, hoje um museu em homenagem ao fundador da psicanálise



Exposição que causou polêmica nos EUA chega a SP em setembro, após ser mostrada em Nova York e Viena


ALCINO LEITE NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O divã de Freud é um dos fetiches do século 20 e uma espécie de monumento da psicanálise. Em setembro, ele será exibido pela primeira vez no Brasil, na exposição "Freud: Cultura & Conflito", organizada pela Biblioteca do Congresso, em Washington.
É a maior mostra já feita sobre o autor de "A Interpretação dos Sonhos". É também a mais polêmica. Gerou páginas e páginas de debates e ataques na imprensa internacional, desde que foi anunciada em 1995, nos EUA.
Naquele ano, um grupo de intelectuais redigiu um abaixo-assinado que colocava em xeque a imparcialidade da exposição e pedia a participação de críticos da obra de Freud no projeto.
O documento com 47 assinaturas, a maioria de respeitáveis professores universitários, intimidou a Biblioteca do Congresso, que chegou a sustar a inauguração, prevista para o ano seguinte.
Foi a vez, então, dos freudianos erguerem a voz e defenderem a exibição. No meio do tiroteio, a prestigiosa entidade acabou por remarcar a inauguração da mostra para três anos depois.
Finalmente, em outubro de 98, "Freud: Conflito & Cultura" foi aberta em Washington, com ajustes que tentavam atender às reivindicações do abaixo-assinado.
Em abril de 99, a exposição chegou a Nova York. Em outubro, a Viena. No mês que vem, fechará as portas em Los Angeles para ser enviada ao Brasil.
Em 26 de setembro, será inaugurada no Museu de Arte de São Paulo (Masp), com o patrocínio da Folha e da Petrobras e o apoio da Sociedade Brasileira de Psicanálise e da Associação Brasileira de Psicanálise. Os gastos previstos chegam a R$ 1 milhão.
Fica em São Paulo até 28 de novembro. No início do próximo ano (as datas ainda estão indefinidas), será exibida no Rio. Depois, deve ir para Buenos Aires.
A exposição trará ao Brasil 180 manuscritos, livros, cartas, filmes e fotos relacionados à vida pessoal e intelectual de Freud.
A maioria dos objetos faz parte do acervo da Biblioteca do Congresso, cuja "freudiana" começou a ser colecionada na década de 40 e hoje reúne mais de 50 mil itens, segundo o historiador Marvin W. Kranz, curador das coleções psicanalíticas da entidade.
Há relíquias inestimáveis na mostra, como o manuscrito de "Totem e Tabu" (publicado em 1913), cartas ao amigo Wilhelm Fliess em que Freud relata as suas primeiras descobertas e filmes gravados pela BBC de Londres com o criador da psicanálise.
"Descobri alguns novos e importantes fatos sobre o inconsciente", diz Freud num dos filmes, com voz frágil, perturbada pelo câncer na boca que o levou a decidir em 1939, aos 83 anos, pela morte, aplicada em doses letais de morfina por um amigo médico.
No Brasil, "Freud: Conflito & Cultura" será acrescida de um módulo sobre a influência do pensamento freudiano na arte modernista, mas que também vai contar um pouco da história da psicanálise no país.
"A exposição original é tipicamente americana e ficaria incompleta sem o módulo brasileiro. O modernismo tem o mesmo movimento de ruptura com as certezas que há na psicanálise", diz o psicanalista Leopold Nosek, curador da exibição no Brasil e quem teve a iniciativa de trazê-la ao país.
A mostra paralela talvez ajude a esclarecer por que a psicanálise se incorporou tão tranquilamente à vida brasileira -o que torna improvável aqui uma reação parecida com a que ocorreu nos EUA.
No Brasil, a exposição será muito mais a oportunidade para discutir o futuro das idéias de Freud, hoje afrontada por novos problemas, entre eles o avanço das neurociências, como lembra o psicanalista Jurandir Freire Costa (leia na pág. ao lado enquete sobre os desafios da psicanálise).
"A mostra é a ocasião para reunir as várias tendências psicanalíticas para discutir a psicanálise", afirma a historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, talvez a mais apaixonada defensora da exposição quando ela esteve ameaçada em Washington.
Para ela, a exibição da Biblioteca do Congresso tem o defeito de remeter tudo às interpretações anglo-saxãs de sua obra. "Espero que, no Brasil, se ultrapasse isso e ela não seja apropriada por uma só escola psicanalítica."
Um simpósio sobre a obra de Freud está previsto para a época da exposição. O escritor Mario Vargas Llosa fará a conferência inaugural do evento, que durará quatro dias e reunirá psicanalistas e intelectuais de várias áreas.
"O simpósio discutirá a importância de Freud para outras áreas da cultura e as influências que elas introduzem na psicanálise", explica a psicanalista Ana Maria Andrade Azevedo, coordenadora-geral do evento.
Quando o divã de Freud desembarcar no Brasil, não estará chegando a um fim de mundo da psicanálise. O país é hoje um dos raros lugares do planeta onde, apesar de sucessivas crises, o pensamento freudiano continua ganhando adeptos e teóricos.
"Brasil e Argentina estão na vanguarda da psicanálise", afirma Roudinesco, uma das organizadoras dos Estados Gerais da Psicanálise, congresso internacional ocorrido em Paris neste mês. A participação brasileira foi a maior do evento, depois da francesa.
"Na última vez que contei, os brasileiros eram 30% dos participantes", diz a psicanalista Maria Cristina Rios Magalhães, coordenadora da participação brasileira no congresso. "Os Estados Gerais coincidem com um momento em que a produção psicanalítica cresceu e se adensou no Brasil."


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