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CONTARDO CALLIGARIS
A educação sexual e o uso do prazer
Em setembro, a versão sul-africana de "Vila Sésamo"
terá uma nova personagem: uma
menina portadora do vírus da
Aids. O programa não dirá como
a menina se contaminou, mas colocará material pedagógico à disposição de pais e educadores para
que abordem a questão com as
crianças. Hoje, 1 sul-africano em
cada 10 é portador do vírus da
Aids: é necessário promover uma
prevenção precoce.
Por que não exportar a nova
personagem para outros países
em que "Vila Sésamo" é programado regularmente? A pergunta
foi colocada aos internautas americanos: muitos declararam que
talvez não seja o caso de encher a
cabeça de crianças entre três e sete anos (o público-alvo do programa) com histórias que as levariam a ouvir falar de sexo e de
drogas injetáveis.
Não é um drama que as crianças ouçam falar de sexo tão cedo.
De qualquer forma, os colegas, a
rua, os irmãos e as irmãs se encarregam disso. Acho mais preocupante que, logo na primeira vez
em que as crianças ouvem falar
de sexo, o tema seja o perigo da
contaminação.
Alguns meses atrás, saiu, nos
EUA, "Harmful to Minors - The
Perils of Protecting Children from
Sex" (danoso aos menores - os perigos de proteger as crianças do
sexo), de Judith Levine. Chegando
às livrarias no meio da revelação
dos casos de abuso sexual na Igreja Católica americana, o livro foi
recebido como um panfleto de circunstância (que não é).
Levine examina os programas
de educação sexual propostos aos
jovens americanos. Desde 1997,
por decisão do Congresso, os cursos de educação sexual que receberam fundos do governo devem
promover a abstinência sexual,
não a contracepção ou o sexo protegido. Assim, escreve Levine,
"num país em que 90% dos adultos têm relações sexuais antes do
casamento e por volta de 10% são
gays ou lésbicas", os educadores
devem dizer às crianças que o sexo fora do casamento "tem provavelmente efeitos danosos psicológica e fisicamente" (palavras do
regulamento de 1997).
Desencorajar o sexo fora do casamento é uma escolha moral legítima. Mas não deixa de parecer
estranho que essa seja a mensagem oficial destinada às crianças,
quando a prática da grande
maioria dos adultos é outra. A
contradição da lei americana
evoca uma verdade mais geral:
em matéria de sexo, com poucas
exceções, só conseguimos transmitir aos jovens ora proibições,
ora precauções e deterrências.
Num guia para os professores
de educação sexual, Levine encontra uma lista que deveria ser
discutida em aula. São as razões
pelas quais os jovens têm relações
sexuais precoces: "Para comunicar sentimentos de afeto e amor
numa relação; para evitar ficar
sozinho(a); para ser amado(a);
para mostrar independência revoltando-se contra os pais, os professores ou outras figuras de autoridade; para manter uma relação;
para mostrar que eles são "grandes'; para tornar-se pai ou mãe;
para satisfazer a curiosidade".
Há uma extraordinária omissão:
que tal se os jovens transassem
por prazer?
Nossa racionalidade é instrumental e nossas justificações estão
sempre no futuro. Para nos sentirmos autorizados a agir, preferimos que nossos atos pareçam perseguir algum fim ou preparar algum momento ulterior. O que escapa a essa lógica é doentio. Assim, fumamos porque estamos
nervosos, comemos porque somos
estressados, nos masturbamos por
angústia, olhamos porcarias na
televisão por preguiça ou para
conseguir dormir, dormimos por
depressão, procuramos amigos
por solidão, transamos por dever
ou para relaxar, e por aí vai. Aparentemente, nunca confessamos
que agimos por prazer. Entende-se por quê: o prazer não serve para nada (não é instrumental) e
não tem futuro (a fruição é imediata).
Será que aqui deveríamos invocar com orgulho a exceção brasileira? Afinal, não é verdade que,
do lado de baixo do Equador, o
prazer estaria em casa, autorizado e reconhecido (até demais)?
Certo, no Brasil, praticamos
uma assídua retórica do prazer:
queremos cervejinha gelada, caipirinha na praia e bunda gostosa.
Mas é por que sabemos aproveitar a vida ou para confirmar a
identidade nacional? O prazer é
nossa experiência ou é um estereótipo que carregamos a tiracolo, como um mexicano passearia
de sombreiro ou um francês de
baguete?
Proliferam, hoje, saberes que
tentam nos ensinar o prazer: como apreciar vinhos e comidas, como descobrir a sensualidade, como se comunicar com a natureza,
como escutar música e olhar quadros. O resultado é que aprendemos sobretudo cacoetes de estilo:
o que importa é que eu sou o cara
que entende de vinhos, você entende de comida e ele, de música.
A dita exceção brasileira talvez
funcione um pouco do mesmo jeito: não é uma capacidade especial
de fruir a vida, apenas o conforto
de um clichê que confirma nossa
identidade.
Brasileiros ou não, vivemos entre os abusos desregrados do prazer (desprazerosos, como bebedeiras, comilanças, overdoses e esfoladuras genitais), mil códigos de
fruição que se tornam poses sociais e a incapacidade de justificar a experiência cotidiana pelos
prazeres discretos que ela pode
proporcionar.
ccalligari@uol.com.br
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