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Crítica/"Uma Garota Dividida em Dois"
Chabrol vê jogo de máscaras com ironia
Em novo filme, diretor francês conta história de um triângulo amoroso inspirada em fato real, em que as aparências enganam
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em certos filmes de Claude Chabrol, talvez
os melhores, existe
uma felicidade do cinema que
se impõe acima de tudo. Esse é
o caso de "Uma Garota Dividida
em Dois", cujo enredo básico
ele foi buscar num "fait divers"
(pequenas notícias diárias no
noticiário) ocorrido em 1906, o
assassinato do arquiteto nova-iorquino Stanford White.
Chabrol leva as coisas para
seu cenário favorito, a França
contemporânea, e seus personagens favoritos, os burgueses.
No caso, o eixo do enredo gira
em torno de uma jovem apresentadora de TV, Gabrielle Deneige (Ludivine Sagnier), cortejada ao mesmo tempo por um
escritor famoso, Charles Saint-Denis (François Bérleand) e
pelo notório herdeiro Paul
Gaudens (Benoît Magimel).
É para o primeiro que ela volta suas atenções: um homem
experiente, libertino, capaz de
lhe ensinar as coisas do amor.
Mas também um sujeito bastante fugidio para uma moça do
tempo cujo sobrenome evoca a
pureza de uma Branca de Neve.
Já o jovem Paul Gaudens tem
uma série de defeitos-clichê: é
mimado, obsessivo, grosseiro.
Mais, Paul parece talhado à maneira do Bruno do "Pacto Sinistro" de Hitchcock: com a mesma
gratuita intensidade com que
odeia o escritor (talvez nem tão
gratuita: existe aí, também, um
elemento muito marcante de
homossexualidade), Paul como
que toma de assalto a garota. A
cada instante, sentimos estar às
voltas com alguém muito perigoso. E, como o escritor não está
nada a fim de levar a moça do
tempo a sério, ela termina por se
aproximar do jovem herdeiro,
para desgosto da mãe do rapaz.
Sorriso à distância
Essa é a intriga, uma dessas
que deliciam Chabrol e seus espectadores. O encanto do filme
virá bem menos dessa trama do
que da maneira como o cineasta observa esse mundo se organizar. Talvez não seja mentira a
palavra que o define, mas falsidade (não por acaso, um personagem decisivo será o advogado): é como se nenhum personagem se mostrasse por inteiro
e colocasse à sua frente uma
imagem convencional.
A televisiva franqueza da senhorita Deneige, as maneiras
pernósticas da mãe de Paul, o ar
libertino da editora (Mathilda
May), tudo parece compor um
grupo de máscaras grudadas ao
rosto dos personagens, presos,
por sua vez, aos papéis que a vida de província lhes atribui.
Claude Chabrol observa-os à
sua maneira: com um sorriso, à
distância, mais irônico do que
cruel, aproximando-se dos personagens com suavidade antes
de, com um golpe, expor-lhe as
fraquezas, e evocando, enfim, o
grande cinema clássico para
melhor afirmar a atualidade do
olhar. É um filme de obra, e essa obra continua, coerente,
agradabilíssima e nada preocupada em impressionar ou perseguir a moda.
UMA GAROTA DIVIDIDA
EM DOIS
Produção: Alemanha/França, 2007
Direção: Claude Chabrol
Com: Ludivine Sagnier, Benoît Magimel e François Berléand
Onde: estréia hoje no Cinesesc, Reserva Cultural e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ótimo
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