São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2008

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Crítica/"Uma Garota Dividida em Dois"

Chabrol vê jogo de máscaras com ironia

Em novo filme, diretor francês conta história de um triângulo amoroso inspirada em fato real, em que as aparências enganam

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em certos filmes de Claude Chabrol, talvez os melhores, existe uma felicidade do cinema que se impõe acima de tudo. Esse é o caso de "Uma Garota Dividida em Dois", cujo enredo básico ele foi buscar num "fait divers" (pequenas notícias diárias no noticiário) ocorrido em 1906, o assassinato do arquiteto nova-iorquino Stanford White.
Chabrol leva as coisas para seu cenário favorito, a França contemporânea, e seus personagens favoritos, os burgueses.
No caso, o eixo do enredo gira em torno de uma jovem apresentadora de TV, Gabrielle Deneige (Ludivine Sagnier), cortejada ao mesmo tempo por um escritor famoso, Charles Saint-Denis (François Bérleand) e pelo notório herdeiro Paul Gaudens (Benoît Magimel).
É para o primeiro que ela volta suas atenções: um homem experiente, libertino, capaz de lhe ensinar as coisas do amor.
Mas também um sujeito bastante fugidio para uma moça do tempo cujo sobrenome evoca a pureza de uma Branca de Neve.
Já o jovem Paul Gaudens tem uma série de defeitos-clichê: é mimado, obsessivo, grosseiro.
Mais, Paul parece talhado à maneira do Bruno do "Pacto Sinistro" de Hitchcock: com a mesma gratuita intensidade com que odeia o escritor (talvez nem tão gratuita: existe aí, também, um elemento muito marcante de homossexualidade), Paul como que toma de assalto a garota. A cada instante, sentimos estar às voltas com alguém muito perigoso. E, como o escritor não está nada a fim de levar a moça do tempo a sério, ela termina por se aproximar do jovem herdeiro, para desgosto da mãe do rapaz.

Sorriso à distância
Essa é a intriga, uma dessas que deliciam Chabrol e seus espectadores. O encanto do filme virá bem menos dessa trama do que da maneira como o cineasta observa esse mundo se organizar. Talvez não seja mentira a palavra que o define, mas falsidade (não por acaso, um personagem decisivo será o advogado): é como se nenhum personagem se mostrasse por inteiro e colocasse à sua frente uma imagem convencional.
A televisiva franqueza da senhorita Deneige, as maneiras pernósticas da mãe de Paul, o ar libertino da editora (Mathilda May), tudo parece compor um grupo de máscaras grudadas ao rosto dos personagens, presos, por sua vez, aos papéis que a vida de província lhes atribui.
Claude Chabrol observa-os à sua maneira: com um sorriso, à distância, mais irônico do que cruel, aproximando-se dos personagens com suavidade antes de, com um golpe, expor-lhe as fraquezas, e evocando, enfim, o grande cinema clássico para melhor afirmar a atualidade do olhar. É um filme de obra, e essa obra continua, coerente, agradabilíssima e nada preocupada em impressionar ou perseguir a moda.

UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS
Produção: Alemanha/França, 2007
Direção: Claude Chabrol
Com: Ludivine Sagnier, Benoît Magimel e François Berléand
Onde: estréia hoje no Cinesesc, Reserva Cultural e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ótimo



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