São Paulo, sábado, 18 de agosto de 2001

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Pensador francês ganha biografia e é homenageado no Festival de Veneza

O espectro de Debord

France Presse - 29.mai.1968
Jovens carregam faixas em frente ao Arco do Triunfo, em Paris, durante manifestação em maio de 1968


ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Um espectro ronda o mundo: o espectro de Guy Debord.
Toda vez que ocorre um protesto contra a globalização neoliberal, com os milhares de jovens gritando slogans, erguendo cartazes e atacando as injustiças sociais, ali paira o fantasma deste pensador, militante político, diretor de cinema e escritor francês.
Depois de seu suicídio em 1994, aos 62 anos, Debord parecia destinado a um progressivo anacronismo ou à antologia da prosa francesa. De repente, ele ressurge na cena mundial por todos os cantos, não apenas como grande escritor, mas como inspiração política, fonte de argumentação crítica e uma das personalidades mais inquietantes do século 20.
Acaba de ser lançada na Inglaterra a primeira biografia do pensador digna deste nome: "The Game of War - The Life and Death of Guy Debord" (O Jogo da Guerra -°Vida e Morte de Guy Debord, ed. Jonathan Cape/Random House), de Andrew Hussey. Uma outra ("Guy Debord"), escrita pelo suíço Vincent Kaufman, será publicada em outubro pela editora francesa Fayard. O festival de cinema de Veneza, que começa no próximo dia 29, homenageará Debord com uma retrospectiva de todos os seus filmes -sete feitos para o cinema e um para TV.
O Brasil não tem perdido o passo nessa redescoberta. A editora Contraponto lançou em 98 uma boa tradução de "A Sociedade do Espetáculo", a obra maior de Debord, e a Vozes editou um dos melhores estudos sobre o pensador francês, escrito por Anselm Jappe ("Guy Debord").
"The Game of War" tomou quatro anos da vida do inglês Andrew Hussey, 37, professor de francês na Universidade de Gales (Reino Unido). Seu livro é um retrato fascinante, minucioso e sereno do pensador. É também um panorama vertiginoso da Paris do pós-guerra, inflamada por existencialistas, marxistas, estruturalistas, jazz, nouvelle vague, álcool e drogas -até que tudo estourasse na revolta estudantil de Maio de 68 e o mundo por fim entrasse no regime do "espetáculo integrado" previsto pelo pensador.
Ex-jornalista do "Independent on Sunday" e do "Times Literary Supplement", Hussey estrutura seu livro como uma longa reportagem, em que os detalhes numerosos de uma vida estão quase todos lá, mas sem sufocar o principal: a unidade da trajetória político-intelectual de Debord.
Apaixonado por Lautréamont, o jovem pequeno-burguês Debord desembarca em Paris no início dos anos 50 para engrossar as fileiras do movimento de vanguarda chamado letrismo.
Em pouco tempo, impregnado de Hegel e Marx, rompe com os letristas e cria o seu próprio grupo, a Internacional Situacionista. Os situacionistas, adequando a linguagem reivindicativa e crítica a novos modelos de panfletagem (como quadrinhos e slogans), acabarão na vanguarda das lutas de Maio de 68 na França. "A imaginação no poder" e "Tudo é possível" são alguns dos slogans lembrados do grupo, que pretendeu inventar uma prática revolucionária em que não haveria contradição entre arte e política.
Em 67, Debord publica "A Sociedade do Espetáculo", uma impressionante análise da sociedade capitalista atual, por ele descrita como tendo atingido o seu grau superior de alienação, ao transformar a relação dos homens com a vida e consigo próprios num espetáculo unificado de imagens.


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