São Paulo, Sábado, 18 de Setembro de 1999
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TEATRO

Do circo à cela, Plínio Marcos expõe a miséria
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
O dramaturgo Plínio Marcos em seu apartamento em São Paulo





NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Plínio Marcos não está escrevendo. Mas é só por um tempo, garante, até a visão voltar ao normal. A isquemia de um mês atrás, resultado da diabetes que já causou um enfarte duas décadas atrás, também deixou dificuldades motoras do lado esquerdo do corpo -que ele vai vencendo com fisioterapia.
Plínio Marcos, 63, não está escrevendo no momento, mas está publicando um livro de contos autobiográficos (ou de ficção: com ele nunca se sabe), sobre os circos em que começou como palhaço, e acaba de reestrear a sua primeira peça, de 40 anos atrás, quando deixou o circo.
"Barrela" recebeu uma vibrante encenação, num dos melhores espetáculos da temporada. Embora seja seu primeiro texto, de 59, é espantosamente contemporâneo em linguagem e tema, ao mostrar uma noite de abusos e disputa de poder numa cela miserável.
Ele gosta muito da montagem, diz que "ela pega no breu". Seu linguajar, no cotidiano como no palco, não é aquele corriqueiro. Sabe-se lá onde vai buscar as gírias que escapam da boca de seus personagens. Parecem lembrar a periferia paulistana, o que a encenação de "Barrela" sublinha ao recorrer aos Racionais na trilha, mas o autor garante que não, que elas vêm do cais do porto de Santos -e estariam mais próximas do Rio de Janeiro.
É o que ele diz, ao mesmo tempo em que afirma meio triste (como ele anda ultimamente, depois da isquemia cerebral) que gostaria de viver no Rio, como na época em que atuou na novela "Beto Rockfeller", a partir de 68.
Depois de décadas num quarto-e-sala no centro da cidade, o escritor mora hoje num apartamento em Higienópolis, a uma quadra da residência de Fernando Henrique Cardoso em São Paulo. Comprou o imóvel ao vender os direitos de publicação da sua obra para a Funarte -que nada publicou, reclama, nem a sua biografia como dramaturgo, a ser escrita pela mulher, Vera Artaxo.
E assim Plínio Marcos segue vendendo seus pequenos livros em edições alternativas. Ele lança "O Truque dos Espelhos" no dia 27, em São Paulo, pela Una Editoria. O livro traz histórias de Frajola, nome adotado por ele quando palhaço, nos anos 50.
Em prosa, as histórias misturam memória e ficção para descrever "pequenos artistas" como Chitah, mágico que fazia dupla com Frajola, e o cigano Ricardino, dono de um circo com o qual Frajola excursionou pelo interior de São Paulo. A "cultura cigana", do circo de Ricardino e Cora, aos quais o autor diz dever seu conhecimento de tarô, é um dos temas predominantes do livro e se mescla à própria escritura.
Em "O Truque dos Espelhos", trata-se do Plínio Marcos mais recente: carregado de misticismo e sensualidade e com um texto mais próximo do grotesco. É o autor de "O Anão do Caralho Grande", que recebeu uma bela montagem há dois anos e que chega perto de formar uma trilogia com as inéditas "O Bote da Loba" e "O Homem do Caminho".
Apesar dos esperados pontos de contato, é um autor muito diverso daquele que começou na virada dos anos 50, mais realista e dado à violência em cena, que escreveu "Barrela" e "Navalha na Carne" -outro grande texto seu, de 67, que voltou ao cartaz.
"Barrela" se apresenta em todo o seu "breu" na encenação de Sérgio Ferrara, concentrada na interpretação. São pequenas jóias as atuações, a meio caminho entre o horror e o humor, dos intérpretes centrais, todos presos na cela repugnante de "Barrela".
Jairo Mattos comanda e aterroriza os demais, violentamente, mas sabe quando tem que ceder -com desconcertante ironia- para se manter no poder.
Antonio Petrin e Élcio Nogueira passam toda a apresentação em conflito crescente, num mimetismo pleno com os personagens, levando a peça ao ápice trágico. Se for preciso destacar um nome, trata-se de Petrin, que contrasta sua fragilidade física ao entorno de desordem e coação.
O mesmo mimetismo vale para Antonio de Andrade, que repete em "Barrela" a atuação tragicômica de "Santidade", há dois anos. Eric Nowinski e Adão Filho, em papéis paralelos, retratam principalmente com humor -e uma chocante leveza- o cotidiano de sordidez da cela.
Plínio Marcos cita Jean Genet, ao lado de Tennessee Williams e Eugene O'Neill, como um dos seus autores preferidos. Cenários recorrentes nas peças, como a prisão e a prostituição em "Navalha na Carne", mostram a proximidade dos universos.
Mas, como se nota na montagem do grupo Tapa para "Navalha na Carne", o que Genet tem de atração pela sordidez, na tradição francesa de Sade e Lautréamont, Plínio Marcos tem de rejeição. Suas peças são gritos contra a opressão e a miséria.
A montagem do Tapa se contém a poucos passos de reproduzir integralmente o grito. Denise Weinberg faz a prostituta com doses perfeitas de sensualidade e decadência. Mas o cafetão de Zecarlos Machado, como diz Plínio, não pega no breu.

Livro: O Truque dos Espelhos
Editora: Una
Lançamento: dia 27, a partir das 20h, no restaurante Gigetto (r. Avanhandava, 63, tel. 0/xx/11/ 256-9804)
Quanto: R$ 15 (111 págs.)


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Espetáculo: Barrela
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet (r. Teodoro Baima, 94, tel. 0/xx/11/256-9463)
Quanto: R$ 20


Avaliação:     

Espetáculo: Navalha na Carne
Quando: hoje, às 20h, última apresentação
Onde: Teatro Aliança Francesa (r. Gal. Jardim, 182, tel. 0/xx/ 11/ 259-0086)
Quanto: R$ 20


Avaliação:    



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