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TEATRO
Do circo à cela, Plínio Marcos expõe a miséria
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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O dramaturgo Plínio Marcos em seu apartamento em São Paulo |
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Plínio Marcos não está escrevendo. Mas é só por um tempo,
garante, até a visão voltar ao normal. A isquemia de um mês atrás,
resultado da diabetes que já causou um enfarte duas décadas
atrás, também deixou dificuldades motoras do lado esquerdo do
corpo -que ele vai vencendo
com fisioterapia.
Plínio Marcos, 63, não está escrevendo no momento, mas está
publicando um livro de contos
autobiográficos (ou de ficção:
com ele nunca se sabe), sobre os
circos em que começou como palhaço, e acaba de reestrear a sua
primeira peça, de 40 anos atrás,
quando deixou o circo.
"Barrela" recebeu uma vibrante
encenação, num dos melhores espetáculos da temporada. Embora
seja seu primeiro texto, de 59, é espantosamente contemporâneo
em linguagem e tema, ao mostrar
uma noite de abusos e disputa de
poder numa cela miserável.
Ele gosta muito da montagem,
diz que "ela pega no breu". Seu
linguajar, no cotidiano como no
palco, não é aquele corriqueiro.
Sabe-se lá onde vai buscar as gírias que escapam da boca de seus
personagens. Parecem lembrar a
periferia paulistana, o que a encenação de "Barrela" sublinha ao
recorrer aos Racionais na trilha,
mas o autor garante que não, que
elas vêm do cais do porto de Santos -e estariam mais próximas
do Rio de Janeiro.
É o que ele diz, ao mesmo tempo em que afirma meio triste (como ele anda ultimamente, depois
da isquemia cerebral) que gostaria de viver no Rio, como na época
em que atuou na novela "Beto
Rockfeller", a partir de 68.
Depois de décadas num quarto-e-sala no centro da cidade, o escritor mora hoje num apartamento
em Higienópolis, a uma quadra
da residência de Fernando Henrique Cardoso em São Paulo. Comprou o imóvel ao vender os direitos de publicação da sua obra para
a Funarte -que nada publicou,
reclama, nem a sua biografia como dramaturgo, a ser escrita pela
mulher, Vera Artaxo.
E assim Plínio Marcos segue
vendendo seus pequenos livros
em edições alternativas. Ele lança
"O Truque dos Espelhos" no dia
27, em São Paulo, pela Una Editoria. O livro traz histórias de Frajola, nome adotado por ele quando
palhaço, nos anos 50.
Em prosa, as histórias misturam
memória e ficção para descrever
"pequenos artistas" como Chitah,
mágico que fazia dupla com Frajola, e o cigano Ricardino, dono
de um circo com o qual Frajola
excursionou pelo interior de São
Paulo. A "cultura cigana", do circo de Ricardino e Cora, aos quais
o autor diz dever seu conhecimento de tarô, é um dos temas
predominantes do livro e se mescla à própria escritura.
Em "O Truque dos Espelhos",
trata-se do Plínio Marcos mais recente: carregado de misticismo e
sensualidade e com um texto
mais próximo do grotesco. É o autor de "O Anão do Caralho Grande", que recebeu uma bela montagem há dois anos e que chega
perto de formar uma trilogia com
as inéditas "O Bote da Loba" e "O
Homem do Caminho".
Apesar dos esperados pontos de
contato, é um autor muito diverso
daquele que começou na virada
dos anos 50, mais realista e dado à
violência em cena, que escreveu
"Barrela" e "Navalha na Carne"
-outro grande texto seu, de 67,
que voltou ao cartaz.
"Barrela" se apresenta em todo
o seu "breu" na encenação de Sérgio Ferrara, concentrada na interpretação. São pequenas jóias as
atuações, a meio caminho entre o
horror e o humor, dos intérpretes
centrais, todos presos na cela repugnante de "Barrela".
Jairo Mattos comanda e aterroriza os demais, violentamente,
mas sabe quando tem que ceder
-com desconcertante ironia-
para se manter no poder.
Antonio Petrin e Élcio Nogueira
passam toda a apresentação em
conflito crescente, num mimetismo pleno com os personagens, levando a peça ao ápice trágico. Se
for preciso destacar um nome,
trata-se de Petrin, que contrasta
sua fragilidade física ao entorno
de desordem e coação.
O mesmo mimetismo vale para
Antonio de Andrade, que repete
em "Barrela" a atuação tragicômica de "Santidade", há dois anos.
Eric Nowinski e Adão Filho, em
papéis paralelos, retratam principalmente com humor -e uma
chocante leveza- o cotidiano de
sordidez da cela.
Plínio Marcos cita Jean Genet,
ao lado de Tennessee Williams e
Eugene O'Neill, como um dos
seus autores preferidos. Cenários
recorrentes nas peças, como a prisão e a prostituição em "Navalha
na Carne", mostram a proximidade dos universos.
Mas, como se nota na montagem do grupo Tapa para "Navalha na Carne", o que Genet tem de
atração pela sordidez, na tradição
francesa de Sade e Lautréamont,
Plínio Marcos tem de rejeição.
Suas peças são gritos contra a
opressão e a miséria.
A montagem do Tapa se contém a poucos passos de reproduzir integralmente o grito. Denise
Weinberg faz a prostituta com
doses perfeitas de sensualidade e
decadência. Mas o cafetão de Zecarlos Machado, como diz Plínio,
não pega no breu.
Livro: O Truque dos Espelhos
Editora: Una
Lançamento: dia 27, a partir das 20h, no
restaurante Gigetto (r. Avanhandava, 63,
tel. 0/xx/11/ 256-9804)
Quanto: R$ 15 (111 págs.)
Avaliação:
Espetáculo: Barrela
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet
(r. Teodoro Baima, 94, tel. 0/xx/11/256-9463)
Quanto: R$ 20
Avaliação:
Espetáculo: Navalha na Carne
Quando: hoje, às 20h, última
apresentação
Onde: Teatro Aliança Francesa (r. Gal.
Jardim, 182, tel. 0/xx/ 11/ 259-0086)
Quanto: R$ 20
Avaliação:
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