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DISCO CRÍTICA
O cara ainda é grande
do enviado ao Rio
Nem devido
às dificuldades
a que o descaso
da indústria
constrange Luiz
Melodia seu
"Acústico ao Vivo" poderia ser
tarjado de menos ou mais fácil e/
ou oportunista que os similares
que vêm infestando o mercado.
Não. É disco de alternativa cômoda, como a grande maioria
dos demais, desovados aos borbotões em época em que as gravadoras querem é cerrar os cofres.
Mas se faz diferente deles pela forma como lida com a falta de recursos e com a própria marginalização.
É nitidamente um disco pobre.
Mas, aparentemente bravo, Melodia rebola pelas adversidades valendo-se da senha da criatividade.
Como não há aparato, restam só
ele e dois exímios violões.
E ele já sai se servindo do samba
"Diz Que Fui por Aí", de Zé Keti,
para zombar das vacas magras:
"Eu tenho um violão para me
acompanhar/ Tenho muitos amigos, eu sou popular". É isso aí.
Criatividade na sacola, é engraçado, mas ele vislumbra em tal
concisão soluções para dilemas
que o vêm perseguindo. Os violões, por exemplo, tanto dão outro aspecto a composições que
precisavam continuar sendo próximas de perfeitas quanto limpam o excesso de metais que havia complicado as boas músicas
que compunham "14 Quilates"
(97), seu disco anterior.
Também a voz, que andava enfraquecida desde "Relíquias" (95,
projeto de revisão que só agora
parece se consumar), estava inspirada nos dias de gravação deste
ao vivo -e se está falando, aqui,
de um dos melhores intérpretes
vivos do Brasil.
Mas no passeio pelas canções
revistas se lembra que não é só de
um grande intérprete que se trata.
A escrita rascante, surrealista de
"Fadas" (78), da sadomasoquista
"Surra de Chicote" (80, em releitura irrepreensível) ou das clássicas "Magrelinha" (73) e "Só" (83,
magistralmente reinterpretada)
demonstra que Melodia sempre
foi autor de mão cheia.
E nem, ainda, é só isso. O desfile
que "Pérola Negra", "Estácio
Holly Estácio" (73), o tocante
sambinha "Maura" (de seu pai,
Oswaldo Melodia) e mesmo a nova "Cuidando de Você" proporcionam ajuda a expor com justeza
modesta a importância que Melodia guarda na história da MPB.
É só ver o que ele tem feito. Em
1971-73, quando apareceu, rompeu preconceitos aprofundando
Jorge Ben e Cassiano e injetando
blues, rhythm'n'blues, soul, funk,
rock'n'roll e jovem guarda (quase
sempre pela verve do genial Getúlio Cortes, o verdadeiro "negro
gato") no samba -e, aqui, menos
diluindo o samba que libertando
a música negra brasileira de rótulos e convenções.
Depois, a partir do segundo LP,
"Maravilhas Contemporâneas"
(76), congregou um grupo de músicos que formaria, logo em seguida, a mítica Banda Black Rio,
"africanizadora" do Brasil.
Quase ninguém se lembra disso,
mas Melodia foi inaugurador desse movimento que trouxe como
efeito colateral extramusical reforçar os laços de orgulho negro
no Brasil, de modo muito mais
contundente do que fizera, no início dos 70, o "black is beautiful",
quando a branquela Elis Regina
cantava "eu quero um homem de
cor", composto pelos branquelos
Paulo Sérgio e Marcos Valle.
O que mais? Adiante, em "Felino" (83), Melodia resvalou no
reggae (em "Só", especialmente),
mas sem dar crédito à pasteurização com que à mesma época Gilberto Gil se chegava ao gênero.
Assim tem sido Luiz Melodia,
como muitos arrefecido na lavanderia dos 80 e 90. "Acústico ao Vivo", seja o que for, traz o mérito
de confrontar Melodia com sua
própria grandeza. O cara é grande.
(PAS)
Avaliação:
Disco: Acústico ao Vivo
Artista: Luiz Melodia
Lançamento: Indie Records
Quanto: R$ 18, em média
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