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livros
Moacyr Scliar revê com ironia decepções políticas
"Eu Vos Abraço, Milhões" narra conflito entre a ideologia e a realidade
Valdo, protagonista do livro, busca a realização na causa comunista, mas acabará tendo seus planos frustrados
Neco Varella/Folhapress
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O médico e escritor Moacyr Scliar em casa, em Porto Alegre
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
Antes de tornar-se o título
do novo romance de Moacyr
Scliar, a frase "Eu Vos Abraço, Milhões" perseguiu o autor por mais de 50 anos.
O verso faz parte do poema
"Ode à Alegria", de Friedrich
Schiller (1759-1805), que inspirou a "Nova Sinfonia" de
Beethoven (1770-1827).
O escritor e colunista da
Folha, 73 anos, leu a frase do
poeta, filósofo e historiador
pela primeira vez em uma coletânea de textos de comunistas, na década de 50.
Mais que a beleza poética,
chamou a atenção do jovem,
então já engajado no movimento estudantil, a ideia de
comunhão com as massas.
Desde então, diz Scliar, o
verso "ficou guardado na minha mente".
O resultado, finalmente,
chega agora às livrarias. Da
mistura entre arte e política
surgiu a gênese do romance e
de seu protagonista, Valdo.
Já bastante idoso, doente e
morando numa casa geriátrica, Valdo escreve ao neto
contando sua vida.
Durante a adolescência,
em 1929, ele, encantado com
o ideal de justiça, decide entrar para o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Abandona Santo Ângelo
(RS), sua cidade natal, e parte para o Rio de Janeiro, onde
espera ser acolhido e orientado pelos militantes.
MUDAR O MUNDO
Como Valdo, Scliar também foi um jovem conquistado pelo canto comunista,
mas garante que o livro não é
autobiográfico.
"Na verdade, é um retrato
de uma geração anterior a
minha, que viveu o auge desse projeto gigantesco de mudar o mundo. Já a minha geração presenciou a ruína desse sonho", diz ele.
Para Valdo também nem
tudo sai como planejado.
A filiação ao PCB é constantemente postergada. A
busca por Astrojildo Pereira
(1890-1965), lendário líder
comunista que realmente
existiu, é infrutífera.
Para piorar, ele -ateu convicto, é claro- vê-se obrigado a trabalhar na construção
do Cristo Redentor, inaugurado em 1931.
Aos poucos, Scliar questiona todas as certezas do
personagem.
"A política nunca preencherá o vazio humano. A
constatação disso será dolorosa, mas fundamental para
seu amadurecimento."
As desilusões não fazem
de Valdo um velho ranzinza.
Sobra humor em seu relato,
mesmo para comentar seus
problemas de próstata ou fracassos do passado.
Postura semelhante tem
Scliar, mesmo que hoje mais
cético do que na juventude.
"Cheguei à maturidade totalmente reconciliado com a
vida. Apesar de tudo, o Brasil
melhorou. E eu acredito nos
jovens, é uma geração admirável", diz Moacyr, com um
quê indisfarçável de Valdo.
EU VOS ABRAÇO, MILHÕES
AUTOR Moacyr Scliar
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50 (256 págs.)
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