São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2010

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Moacyr Scliar revê com ironia decepções políticas

"Eu Vos Abraço, Milhões" narra conflito entre a ideologia e a realidade

Valdo, protagonista do livro, busca a realização na causa comunista, mas acabará tendo seus planos frustrados


Neco Varella/Folhapress
O médico e escritor Moacyr Scliar em casa, em Porto Alegre

MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO

Antes de tornar-se o título do novo romance de Moacyr Scliar, a frase "Eu Vos Abraço, Milhões" perseguiu o autor por mais de 50 anos. O verso faz parte do poema "Ode à Alegria", de Friedrich Schiller (1759-1805), que inspirou a "Nova Sinfonia" de Beethoven (1770-1827).
O escritor e colunista da Folha, 73 anos, leu a frase do poeta, filósofo e historiador pela primeira vez em uma coletânea de textos de comunistas, na década de 50. Mais que a beleza poética, chamou a atenção do jovem, então já engajado no movimento estudantil, a ideia de comunhão com as massas.
Desde então, diz Scliar, o verso "ficou guardado na minha mente". O resultado, finalmente, chega agora às livrarias. Da mistura entre arte e política surgiu a gênese do romance e de seu protagonista, Valdo.
Já bastante idoso, doente e morando numa casa geriátrica, Valdo escreve ao neto contando sua vida.
Durante a adolescência, em 1929, ele, encantado com o ideal de justiça, decide entrar para o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Abandona Santo Ângelo (RS), sua cidade natal, e parte para o Rio de Janeiro, onde espera ser acolhido e orientado pelos militantes.

MUDAR O MUNDO
Como Valdo, Scliar também foi um jovem conquistado pelo canto comunista, mas garante que o livro não é autobiográfico.
"Na verdade, é um retrato de uma geração anterior a minha, que viveu o auge desse projeto gigantesco de mudar o mundo. Já a minha geração presenciou a ruína desse sonho", diz ele. Para Valdo também nem tudo sai como planejado.
A filiação ao PCB é constantemente postergada. A busca por Astrojildo Pereira (1890-1965), lendário líder comunista que realmente existiu, é infrutífera.
Para piorar, ele -ateu convicto, é claro- vê-se obrigado a trabalhar na construção do Cristo Redentor, inaugurado em 1931. Aos poucos, Scliar questiona todas as certezas do personagem.
"A política nunca preencherá o vazio humano. A constatação disso será dolorosa, mas fundamental para seu amadurecimento." As desilusões não fazem de Valdo um velho ranzinza.
Sobra humor em seu relato, mesmo para comentar seus problemas de próstata ou fracassos do passado.
Postura semelhante tem Scliar, mesmo que hoje mais cético do que na juventude. "Cheguei à maturidade totalmente reconciliado com a vida. Apesar de tudo, o Brasil melhorou. E eu acredito nos jovens, é uma geração admirável", diz Moacyr, com um quê indisfarçável de Valdo.


EU VOS ABRAÇO, MILHÕES

AUTOR Moacyr Scliar
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50 (256 págs.)



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