São Paulo, sexta, 18 de setembro de 1998

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O PRECURSOR
Efeito "Ed Wood': a síndrome do trash movie

JOSÉ MOJICA MARINS
especial para a Folha

Os mais desinformados chamam qualquer filme de terror de "trash". Não é bem assim. O termo originalmente refere-se a filmes que, por um motivo ou outro, não deram certo e ficaram involuntariamente engraçados.
Quando um cineasta trabalha praticamente sem recursos, nem sempre é possível realizar o que se deseja. É nesse momento que a genialidade e o improviso podem salvar uma fita. O cineasta realmente talentoso supera as dificuldades e consegue imprimir seu estilo.
Muitos diretores de cinema estão surgindo nos rincões do Brasil, incluindo uma nova geração nordestina. Mas esses gênios em potencial infelizmente sofrem aquele velho preconceito, vítimas também do descaso de grande parte do público e imprensa, que prefere tachar pejorativamente suas obras de "lixo".
Pouca gente sabe, mas Coppola iniciou sua carreira dirigindo filmes eróticos baratíssimos. Robert Rodriguez chamou a atenção com "El Mariachi" e imediatamente foi seduzido pelos dólares de Hollywood. São gênios que tiram leite de pedra. Quando trabalham com orçamentos maiores, podem mostrar do que são capazes.
Ed Wood não teve essa sorte. O famigerado "pior cineasta da história" sofreu todo tipo de privações enquanto viveu. Mas sua paixão pura pelo cinema originou alguns filmes muito divertidos.
Mas Ed jamais teve a oportunidade para mostrar do que seria capaz de fazer com um orçamento mais generoso. Em fim de carreira, foi obrigado a se render a humilhantes produções pornográficas.
O Ed Wood de hoje pode ser o Spielberg de amanhã. Tudo que ele precisa é de uma chance. Um pouquinho de dinheiro também não atrapalharia...
O Brasil também tem seus pequenos "Ed Woods". Em Brasília, temos o bombeiro-cineasta Afonso Brazza e seus filmes de ação com títulos inacreditáveis como "Índios Navarros em Trevas de Pistoleiros entre Sexo e Violência". Pelo país, outros amantes da sétima arte aventuram-se a realizar filmes baratos, mas muito originais.
Nunca admiti que meus filmes fosse rotulados como "lixo". Ao longo de minha carreira, sempre me esforcei ao máximo para realizar obras de qualidade sem um centavo no bolso. Levando-se em conta o sucesso e a popularidade dos filmes de Zé do Caixão, acredito que tenha me saído bem. Trash mesmo só fiz quando me aventurei pelo cinema erótico.
"24 Horas de Sexo Explícito" foi rodado em uma semana, gastando o mínimo possível. No final dos anos 70, me vi envolvido com outra autêntica bomba: "A Deusa de Mármore", que ultrapassou o limite aceitável do trash e descambou para o lixão puro e simples. Quando percebi o abacaxi que me esperava, tratei de saltar da cadeira de diretor e participei discretamente apenas como ator, só para não contrariar a estrela da fita, Rosângela Maldonado, que assumiu pessoalmente a direção.
Briguei muito para que a vaidosa coroa Rosângela aceitasse que meu personagem, o capeta em pessoa, tivesse ao lado algumas diabinhas formosas. Inferno só com macho, para mim, não dá pé! Seria muito trash para cabeça!
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José Mojica Marins é cineasta.



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