São Paulo, Segunda-feira, 18 de Outubro de 1999
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LITERATURA
Universidade é tema de novo Tom Wolfe

CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Frankfurt

Lá estava o impecável terno branco, a camisa listrada e o sapato bicolor.
Depois de 11 anos longe da cidade, quando lançou "Fogueira das Vaidades", Tom Wolfe voltou a Frankfurt para promover "Um Homem por Inteiro", romance que está sendo publicado na Alemanha, três meses depois de sair no Brasil.
Embaixo de um lustre de cristal com ornamentos dourados, no centro de uma sala do hotel Heissischer Hof decorada com painéis de cenas do Egito antigo, o escritor recebeu os cumprimentos de 26 pessoas, que esperavam em fila indiana.
Eram seus agentes literários e os editores de seus livros em 12 países, incluindo o brasileiro Paulo Rocco, da casa que leva seu sobrenome. Eles participavam de um café da manhã, um "power breakfast", como disse Wolfe, promovido pela agente literária Lynn Nesbit, em homenagem ao escritor.

Universidade
A Folha foi o único órgão de imprensa que esteve no encontro.
"Ah, você é jornalista? Como entrou aqui?", perguntou Wolfe.
"Então vou lhe contar algo que nenhum outro está sabendo. Vou lhe falar sobre o livro que estou escrevendo", disse, com o seu característico modo contido e ao mesmo tempo empolgado de se expressar.
Ajeitando o cabelo grisalho, meticulosamente formatado como um topete, Wolfe sussurra: "A universidade é meu novo tema. O "underground" de uma universidade. Suas relações sociais".
Claro que Wolfe não escreveria sobre algo que não observou, uma das marcas registradas do "new journalism", gênero jornalístico que ele ajudou a desenvolver, no qual a descrição do fato sobre o qual se escreve atingiu requintes literários.
Para conseguir material para seu novo livro, Wolfe frequentou a Universidade de Stanford e, mais recentemente, passou um estágio na Universidade de Michigan, ambas nos EUA.
Quando fala sobre essa última experiência, o escritor passa a língua nervosamente sobre os lábios. Vira os olhos azuis acinzentados para Lynn, "minha agente literária desde o início, há 35 anos, quando ela ainda era um bebezinho", e explica os novos padrões de sociabilidade dos campi que conheceu.

Sedução
"É o que chamo de sedução dos sete minutos", resume. "Em meu tempo, o garoto convidava a moça para ir ao cinema, para comer algo, pagava a conta. Hoje eles andam em grupo até o refeitório. O garoto "chega junto" da moça que achou atraente e diz: "Você deve estar cansada de ser comparada à Sharon Stone'", diz, sorrindo.
Na visão do escritor, o passo seguinte desse "ritual", palavra dele, é que o moço começa a tocar no braço da garota e em outras "regiões periféricas".
"Alguns minutos depois, se a moça for preparada, eles já estão com seus coses encaixados, dançando algo como uma lambada. Ainda existe lambada?" pergunta, pronunciando "lambéda".
Uma dessas "seduções de sete minutos" pode estar na abertura de seu novo livro. O que não quer dizer tanto assim.
Quando fala em começar um romance, Wolfe fica quase envergonhado.
"A maior parte dos 11 anos que levei para fazer "Um Homem" foi gasta para a abertura. Começos errados. Existe uma coisa que contei para poucos. Cheguei a estudar um modo de começar o livro ambientado no Japão. Até viajei para lá para isso. Depois, achei maluquice."
O veterano Roger Straus, mito no mercado editorial norte-americano, editor da Farrar, Straus & Giraux, também presente no café da manhã, disse à Folha que o novo livro, ainda sem nenhuma previsão de título, deve sair em menos de dois anos.
"Se fosse apenas a estimativa dele, duvidaria. Mas a mulher de Tom, que sempre acerta essas coisas, me deu o mesmo prazo", disse Straus.
Wolfe, que tem 69 anos, justifica o mesmo: "Meu filho tem 14 anos. Quando "Fogueira das Vaidades" saiu, ele era um bebê. Passou a vida dele inteira vendo eu escrever o mesmo livro. Não quero que ele pense que essa é minha profissão. Um homem que não consegue acabar livros".
Quando fala de seu filho, o escritor deixa seus braços fazerem gestos mais generosos.
As mãos, que ficaram durante duas horas entrelaçadas ou ocupadas em segurar algo, imitam então o modo como o garoto puxa as calças largas que usa, que deslizam cintura abaixo.
"Os jovens cada vez mais se vestem como os negros das ruas", expressa, não sem esconder algo de pejorativo nesse dizer.

Arte
Com o mesmo desdém, Wolfe conversou com a Folha sobre uma questão em que é conservador notório. Artes plásticas.
Sobre a exposição de jovens artistas britânicos "Sensation", que está em cartaz no Museu do Brooklyn (NY), causando polêmica, o autor do livro de ensaios sobre arte "A Palavra Pintada" diz: "O público nunca repara na chamada arte contemporânea. Normalmente trata-se de uma "instalação", como dizem. Quase sempre há uma tela de TV no centro exibindo um vídeo desfocado. Desta vez (em "Sensation'), o público se irritou com a Virgem Maria com fezes de elefante".
Wolfe aumenta um pouco o tom de voz e diz: "Não é possível usar dinheiro municipal, estatal ou federal para esses shows".
Na visão do escritor, que mora em um apartamento a alguns metros do Central Park, em Nova York, "o mais importante para um artista hoje não é fazer uma bela pintura ou escultura, mas conseguir uma exposição individual em uma galeria de Nova York, onde devem morar uns 100 mil artistas geniais". Depois disso, ele "poderia seguir sua carreira em qualquer parte do mundo".

Brasil
Pouco depois de falar em partes quaisquer do planeta, Wolfe garante que o Brasil é uma das que ele mais gostaria de conhecer.
"Tenho uma visão muito romântica do Brasil. Assisti "Orfeu Negro" (o original, de 1958) e "Boys from Brazil"."
"Peço desculpa por não saber muito sobre lá", diz, fazendo um sorriso envergonhado que lhe deixa marcas na pele marmoreamente branca.
"Preciso ir logo para lá."
A pressa passou a ser uma característica muito arraigada nele, desde que sofreu um enfarte alguns anos atrás.
Foi a deixa.
Depois de três horas de café da manhã, com a sala esvaziada de outras pessoas e dos alimentos que estavam sobre o bufê, Wolfe pede licença para se levantar.
Antes de sair, puxa seu relógio, preso a um cordão de ouro em seu paletó branco, e pergunta para sua agente, que esperava na porta: "Você por acaso viu minha capa?".


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