|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Universidade é tema de novo Tom Wolfe
CASSIANO ELEK MACHADO
enviado especial a Frankfurt
Lá estava o impecável terno
branco, a camisa listrada e o sapato bicolor.
Depois de 11 anos longe da cidade, quando lançou "Fogueira das
Vaidades", Tom Wolfe voltou a
Frankfurt para promover "Um
Homem por Inteiro", romance
que está sendo publicado na Alemanha, três meses depois de sair
no Brasil.
Embaixo de um lustre de cristal
com ornamentos dourados, no
centro de uma sala do hotel Heissischer Hof decorada com painéis
de cenas do Egito antigo, o escritor recebeu os cumprimentos de
26 pessoas, que esperavam em fila
indiana.
Eram seus agentes literários e os
editores de seus livros em 12 países, incluindo o brasileiro Paulo
Rocco, da casa que leva seu sobrenome. Eles participavam de um
café da manhã, um "power breakfast", como disse Wolfe, promovido pela agente literária Lynn
Nesbit, em homenagem ao escritor.
Universidade
A Folha foi o único órgão de imprensa que esteve no encontro.
"Ah, você é jornalista? Como
entrou aqui?", perguntou Wolfe.
"Então vou lhe contar algo que
nenhum outro está sabendo. Vou
lhe falar sobre o livro que estou
escrevendo", disse, com o seu característico modo contido e ao
mesmo tempo empolgado de se
expressar.
Ajeitando o cabelo grisalho,
meticulosamente formatado como um topete, Wolfe sussurra: "A
universidade é meu novo tema. O
"underground" de uma universidade. Suas relações sociais".
Claro que Wolfe não escreveria
sobre algo que não observou,
uma das marcas registradas do
"new journalism", gênero jornalístico que ele ajudou a desenvolver, no qual a descrição do fato
sobre o qual se escreve atingiu requintes literários.
Para conseguir material para
seu novo livro, Wolfe frequentou
a Universidade de Stanford e,
mais recentemente, passou um
estágio na Universidade de Michigan, ambas nos EUA.
Quando fala sobre essa última
experiência, o escritor passa a língua nervosamente sobre os lábios. Vira os olhos azuis acinzentados para Lynn, "minha agente
literária desde o início, há 35 anos,
quando ela ainda era um bebezinho", e explica os novos padrões
de sociabilidade dos campi que
conheceu.
Sedução
"É o que chamo de sedução dos
sete minutos", resume. "Em meu
tempo, o garoto convidava a moça para ir ao cinema, para comer
algo, pagava a conta. Hoje eles andam em grupo até o refeitório. O
garoto "chega junto" da moça que
achou atraente e diz: "Você deve
estar cansada de ser comparada à
Sharon Stone'", diz, sorrindo.
Na visão do escritor, o passo seguinte desse "ritual", palavra dele,
é que o moço começa a tocar no
braço da garota e em outras "regiões periféricas".
"Alguns minutos depois, se a
moça for preparada, eles já estão
com seus coses encaixados, dançando algo como uma lambada.
Ainda existe lambada?" pergunta,
pronunciando "lambéda".
Uma dessas "seduções de sete
minutos" pode estar na abertura
de seu novo livro. O que não quer
dizer tanto assim.
Quando fala em começar um
romance, Wolfe fica quase envergonhado.
"A maior parte dos 11 anos que
levei para fazer "Um Homem" foi
gasta para a abertura. Começos
errados. Existe uma coisa que
contei para poucos. Cheguei a estudar um modo de começar o livro ambientado no Japão. Até
viajei para lá para isso. Depois,
achei maluquice."
O veterano Roger Straus, mito
no mercado editorial norte-americano, editor da Farrar, Straus &
Giraux, também presente no café
da manhã, disse à Folha que o novo livro, ainda sem nenhuma previsão de título, deve sair em menos de dois anos.
"Se fosse apenas a estimativa
dele, duvidaria. Mas a mulher de
Tom, que sempre acerta essas coisas, me deu o mesmo prazo", disse Straus.
Wolfe, que tem 69 anos, justifica
o mesmo: "Meu filho tem 14 anos.
Quando "Fogueira das Vaidades"
saiu, ele era um bebê. Passou a vida dele inteira vendo eu escrever o
mesmo livro. Não quero que ele
pense que essa é minha profissão.
Um homem que não consegue
acabar livros".
Quando fala de seu filho, o escritor deixa seus braços fazerem
gestos mais generosos.
As mãos, que ficaram durante
duas horas entrelaçadas ou ocupadas em segurar algo, imitam
então o modo como o garoto puxa as calças largas que usa, que
deslizam cintura abaixo.
"Os jovens cada vez mais se vestem como os negros das ruas", expressa, não sem esconder algo de
pejorativo nesse dizer.
Arte
Com o mesmo desdém, Wolfe
conversou com a Folha sobre
uma questão em que é conservador notório. Artes plásticas.
Sobre a exposição de jovens artistas britânicos "Sensation", que
está em cartaz no Museu do
Brooklyn (NY), causando polêmica, o autor do livro de ensaios
sobre arte "A Palavra Pintada"
diz: "O público nunca repara na
chamada arte contemporânea.
Normalmente trata-se de uma
"instalação", como dizem. Quase
sempre há uma tela de TV no centro exibindo um vídeo desfocado.
Desta vez (em "Sensation'), o público se irritou com a Virgem Maria com fezes de elefante".
Wolfe aumenta um pouco o
tom de voz e diz: "Não é possível
usar dinheiro municipal, estatal
ou federal para esses shows".
Na visão do escritor, que mora
em um apartamento a alguns metros do Central Park, em Nova
York, "o mais importante para
um artista hoje não é fazer uma
bela pintura ou escultura, mas
conseguir uma exposição individual em uma galeria de Nova
York, onde devem morar uns 100
mil artistas geniais". Depois disso,
ele "poderia seguir sua carreira
em qualquer parte do mundo".
Brasil
Pouco depois de falar em partes
quaisquer do planeta, Wolfe garante que o Brasil é uma das que
ele mais gostaria de conhecer.
"Tenho uma visão muito romântica do Brasil. Assisti "Orfeu
Negro" (o original, de 1958) e
"Boys from Brazil"."
"Peço desculpa por não saber
muito sobre lá", diz, fazendo um
sorriso envergonhado que lhe
deixa marcas na pele marmoreamente branca.
"Preciso ir logo para lá."
A pressa passou a ser uma característica muito arraigada nele,
desde que sofreu um enfarte alguns anos atrás.
Foi a deixa.
Depois de três horas de café da
manhã, com a sala esvaziada de
outras pessoas e dos alimentos
que estavam sobre o bufê, Wolfe
pede licença para se levantar.
Antes de sair, puxa seu relógio,
preso a um cordão de ouro em
seu paletó branco, e pergunta para sua agente, que esperava na
porta: "Você por acaso viu minha
capa?".
Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: Ébrios Próximo Texto: Frankfurtianas Índice
|