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São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2003

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LITERATURA

Narrativas de "O Vôo da Madrugada" abordam erotismo e morte

Sérgio Sant'Anna usa contos para "jogar com a linguagem"

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Os contos que compõem "O Vôo da Madrugada", de Sérgio Sant'Anna, nascem dobrados sobre eles mesmos. Suas narrativas urbanas recheadas de erotismo, perversão, violência e morte não deixam o leitor esquecer que são apenas histórias que estão sendo escritas por um contista, verdadeiro personagem.
Nesse exercício de metalinguagem, Sant'Anna, 62, transforma o espaço da prosa em um laboratório linguístico, como em "O Gorila", a mais longa das histórias, uma desventura de um personagem que vive a passar trotes em mulheres e acaba encurralado numa emboscada criada a partir de suas próprias atividades.
"Meus textos sempre tiveram isso de refletir sobre o negócio de escrever. Gosto de fazer experiências com contos, criando um jogo com a linguagem que se aproxima muito da poesia", diz de sua casa no Rio o autor de "A Senhorita Simpson" (1989).
Por isso, o leitor desse "O Vôo da Madrugada" não se espanta ao se deparar com um texto intitulado "Um Conto Obscuro" na sequência de "Um Conto Abstrato", que anuncia: "Um conto de palavras que valessem mais por sua modulação que por seu significado. Um conto abstrato e concreto como uma composição tocada por um grupo instrumental".
Transferir a sensação de outras formas de arte para a literatura é um dos objetivos a que o escritor tem se dedicado, principalmente quando trata das artes plásticas. "Sou fascinado pelas artes plásticas, considero a mais avançada das artes no sentido da experimentação", diz Sant'Anna.
Por isso, arma os últimos três contos do livro sobre imagens de artistas plásticos, como Balthus (1908-2001) e Egon Schiele (1890-1918). "Fiquei seduzido e emocionado com imagens do nu feminino desses artistas, queria de alguma forma transpor essas emoções para a palavra e suei tentando traduzir aquela visualidade."
O tom encontrado nos contos aparece com traços de um erotismo carregado. "Como instinto básico, acho que eros tem muito a ver com a criação. Neste livro, resolvi radicalizar usando várias formas de trabalhar o erotismo, algumas que são até tabus." Tabus que não se resumem a cenas fortes de incesto, mas a construções que aprofundam a reflexão sobre o erotismo e a morte.
"Morte é uma coisa que está na cabeça humana. As pessoas têm medo disso. Também gostaria de não ter isso na cabeça, mas, ao mesmo tempo, acho fascinante. Para este livro, lembrei de Edgar Allan Poe, que tratou basicamente da morte e da melancolia em seus contos. Não por acaso, um dos textos que mais gosto de todos que já li é "A Filosofia da Composição", no qual Poe trata a melancolia como fonte de poesia."
Sant'Anna levou cerca de seis anos para reunir os textos de "O Vôo da Madrugada". Agora, enquanto prepara um novo conto, cuja história parte de uma personagem que critica um texto de um escritor, espera a adaptação para o cinema de seu livro "Um Crime Delicado", que está sendo feita por Beto Brant e Marçal Aquino.


O VÔO DA MADRUGADA. De: Sérgio Sant'Anna. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 32 (248 págs.).

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