São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 2005

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EM ALGUM LUGAR DO FUTURO

Símbolo do mangue beat, grupo lança disco com maracatu, guitarras e toques eletrônicos

Nação Zumbi respira psicodelia em P&B

Fábio Braga/Divulgação
A banda Nação Zumbi, que lança seu sexto disco, "Futura"


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Da lama psicodélica ao caos electrofunk. Sim, estamos falando da Nação Zumbi, de volta com o sexto álbum, "Futura", que serve de mote para uma nova conversa.
Jorge du Peixe descreve o disco: "É como uma psicodelia em preto-e-branco, porque não remete à psicodelia colorida dos anos 70; é psicodélico olhando para a frente", diz o vocalista de 38 anos. "É como "futurar" em cima de toda essa palidez. Estamos aqui até hoje, e é um tempo de celebração."
Esse "até hoje" significa desde 1990, quando o grupo, então Chico Science e Nação Zumbi, ajudou a formatar o mangue beat (ou mangue bit), o último grande respiro revigorante do rock brasileiro.
Desde "Da Lama ao Caos" (1994) e "Afrociberdelia" (1996), a Nação Zumbi "olhava para a frente". Naquela época, recebiam críticas de gente como Ariano Suassuna, então secretário da Cultura de Pernambuco, por misturar o maracatu com o rock e a eletrônica; Chico Science, morto em acidente automobilístico em fevereiro de 1997, costumava se apresentar como DJ, tocando os até então robustos trance e drum'n'bass.
Agora, com "Futura", a banda -além de Jorge, a Nação Zumbi é Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Gilmar Bola 8 (tambor), Pupillo (bateria), Gira (tambor) e os percussionistas Toca Ogam e Marquinhos- parece ir ainda mais fundo, desconstruindo o maracatu em meio a efeitos de guitarras e toques eletrônicos.
"Exploramos outras idéias, a psicodelia. Neste disco quisemos abusar mais", afirma Maia. "Pesquisamos timbragens, sons de guitarras, queríamos que fossem diferentes. Mas não ficamos alisando muito, gravamos em pouco tempo." O disco foi co-produzido pelo canadense Scott Hard, que já trabalhou com o Morcheeba.
A banda, hoje dividida entre Recife e São Paulo, levou pouco mais de dois meses para gravar no estúdio. Foram utilizados equipamentos como sintetizadores, bateria eletrônica, órgãos e softwares. O resultado são faixas que dão a sensação de camadas sobrepostas, quase como colagens.
"Atualmente, com o sampler, é complicado dizer o que é algo, quem pegou o quê, onde. Penso numa idéia de sampler em que ninguém consiga identificar de onde tenha vindo. O universo da cultura mixer hoje possibilita isso. É o caso do Danger Mouse [DJ norte-americano que ficou mundialmente conhecido ao lançar um disco em que misturava bases do álbum branco dos Beatles com vocais do "álbum preto" de Jay-Z]. Ninguém sabe como ficará a propriedade intelectual daqui para frente", diz Jorge du Peixe.
A canção mais antiga de "Futura" é a faixa-título, que era para ter saído no disco anterior, de 2002. Chamava "Revolución" e continha sampler de Che Guevara. "Ela entrou neste disco, mas sem o sampler. Modificamos um pouco o arranjo", conta o vocalista. "Já fomos sampleados, não tenho nada contra. Baixo coisas da internet, e o que me interessa compro, faço questão de ter o disco. A internet possibilita isso, por que virar as costas? A música é elástica."
Para completar "Futura", Nação Zumbi teve a ajuda de Catatau (Cidadão Instigado), Mauricio Takara (Hurtmold), Kassin, que tocou com Gameboy em uma das faixas, e Alexandre Basa. O grupo pernambucano gravou trilha para "Amarelo Manga", de Cláudio Assis, tocou em desfile da São Paulo Fashion Week, realizou excursão européia...
"Tudo isso deu a direção para o que veio a ser o disco. Não existe uma fórmula, não foi nada pensado, programado. As bases foram fluindo e nunca estivemos presos a gêneros. Um disco pode soar mais hip hop, outro mais reggae, ou mais rock", diz Jorge. "Não acho que este seja o mais eletrônico. O processo de composição é sempre iniciado organicamente."
Sobre as referências, diz que elas não apareceram de só um foco. "É difícil apontar o que nos influencia diretamente. Com o tempo, você vai vendo outras coisas, lendo outros livros, outros filmes. É legal quando as pessoas abrem mais os olhos para artistas da América Latina, quando tentam transpor a barreira dos EUA."
Para o vocalista, o que fazem é universal. "Não existe world music. Existe música no mundo. Esses estereótipos estão se quebrando, muito por culpa da internet: o mundo se conhece muito mais rápido do que antes. Temos que olhar para Bollywood, para os filmes latinos, Julio Cortázar, José Saramago. E há muitas coisas novas e interessantes no Brasil."


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