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LIVRO/CRÍTICA
Coletânea homenageia Sérgio Milliet
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
"Sérgio Milliet" anda sobre
o fio da navalha. A coletânea comemorativa do centenário
do crítico e político das artes reúne um ensaio do homenageado,
dez comentários de autores atuais
e cronologia. O livro inaugura linha editorial da Associação Brasileira de Críticos de Arte, fundada
por ele, em 1949.
A opção por publicar apenas
"Marginalidade da Pintura Moderna" (1942) como único texto
integral de Milliet (1898-1966) cria
o problema latente do livro. Escrito durante a Segunda Guerra,
aquele ensaio usa argumentos
evolucionistas para analisar a arte
moderna, estratégia internacional
então recorrente. Porém, após o
desfecho da guerra, tal posição
passou a ser rejeitada em prol do
nascente multiculturalismo relativizante, explicitamente defendido no congresso fundador da Associação Internacional de Críticos
de Arte, na Unesco de Paris, em
1948, no qual Milliet apresentou
conferência com novo título evolucionista: "Marginalidade da Arte Moderna".
Para Milliet, em 1942, a arte moderna surge no "declive da civilização cristã e, aparentemente, no
ponto por assim dizer inicial da
nova cultura em gestação" (pág.
204). A decadência da civilização
presente teria chegado ao fundo
do poço, mas o início de novo ciclo ascencional estaria sinalizado
pela arte realista de Estado: "Do
México e dos Estados Unidos, da
Espanha e da Rússia nos vêm
exemplos de um muralismo
triunfante, perfeitamente funcional, através do qual se dizem ao
povo coisas importantes e de um
modo acessível" (pág. 240). Dadaístas e abstratos? "Fazedores de
mingauzinhos" (pág. 243).
O desconforto perante a defesa
evolucionista da arte moderna é
explicitado, por exemplo, pelo europeu Jacques Leenhardt. Após
análise atenta de "Marginalidade
da Arte Moderna", ele acusa Milliet de não contribuir com o que
lhe caberia como latino-americano: "Não parece que, em 1948,
Sérgio Milliet tenha tido os meios
para situar sua própria cultura
numa relação crítica à civilização
ocidental. Por conseguinte, só nos
diz pouca coisa sobre a particularidade do processo latino-americano" (pág. 72).
Entretanto, a posição evolucionista desaparece nas apreciações
dos demais comentadores sobre o
autor centenário. Politicamente,
Milliet fortaleceu instituições de
arte pluralistas como a Bienal de
São Paulo. No debate dos anos 50
entre figurativos e abstratos, o crítico mantém uma posição antiexcludente, como mostra Lisbeth
Rebollo Gonçalves.
O ceticismo de Milliet, destacado por Naum Simão Santana,
mantém suspensa a última palavra. Ainda em 1942, o literato desconfiava de teorias como as que
ele mesmo formulava: "Tudo é relativo e sujeito a ponderação. Não
entender assim a vida é afogar-se
no mais absurdo dos simplismos.
Ora o totalitário é o indivíduo que
se afoga no simplismo, que tira
uma doutrina severa, dogmática,
inteiriça, de um certo número de
coincidência. Fica o cético, o corajoso prosseguindo na pesquisa ingrata, única entretanto ainda suscetível de trazer alguma luz a nosso caos" (pág. 95).
A edição instigante deixa em
aberto os problemas levantados
pela multiplicidade de aspectos
da trajetória intelectual analisada.
Sérgio Milliet - 100 Anos
Autor: Lisbeth Rebollo Gonçalves (org.)
Editora: Imesp
Quanto: R$ 30
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