São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 2005

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LIVRO/CRÍTICA

Coletânea homenageia Sérgio Milliet

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

"Sérgio Milliet" anda sobre o fio da navalha. A coletânea comemorativa do centenário do crítico e político das artes reúne um ensaio do homenageado, dez comentários de autores atuais e cronologia. O livro inaugura linha editorial da Associação Brasileira de Críticos de Arte, fundada por ele, em 1949.
A opção por publicar apenas "Marginalidade da Pintura Moderna" (1942) como único texto integral de Milliet (1898-1966) cria o problema latente do livro. Escrito durante a Segunda Guerra, aquele ensaio usa argumentos evolucionistas para analisar a arte moderna, estratégia internacional então recorrente. Porém, após o desfecho da guerra, tal posição passou a ser rejeitada em prol do nascente multiculturalismo relativizante, explicitamente defendido no congresso fundador da Associação Internacional de Críticos de Arte, na Unesco de Paris, em 1948, no qual Milliet apresentou conferência com novo título evolucionista: "Marginalidade da Arte Moderna".
Para Milliet, em 1942, a arte moderna surge no "declive da civilização cristã e, aparentemente, no ponto por assim dizer inicial da nova cultura em gestação" (pág. 204). A decadência da civilização presente teria chegado ao fundo do poço, mas o início de novo ciclo ascencional estaria sinalizado pela arte realista de Estado: "Do México e dos Estados Unidos, da Espanha e da Rússia nos vêm exemplos de um muralismo triunfante, perfeitamente funcional, através do qual se dizem ao povo coisas importantes e de um modo acessível" (pág. 240). Dadaístas e abstratos? "Fazedores de mingauzinhos" (pág. 243).
O desconforto perante a defesa evolucionista da arte moderna é explicitado, por exemplo, pelo europeu Jacques Leenhardt. Após análise atenta de "Marginalidade da Arte Moderna", ele acusa Milliet de não contribuir com o que lhe caberia como latino-americano: "Não parece que, em 1948, Sérgio Milliet tenha tido os meios para situar sua própria cultura numa relação crítica à civilização ocidental. Por conseguinte, só nos diz pouca coisa sobre a particularidade do processo latino-americano" (pág. 72).
Entretanto, a posição evolucionista desaparece nas apreciações dos demais comentadores sobre o autor centenário. Politicamente, Milliet fortaleceu instituições de arte pluralistas como a Bienal de São Paulo. No debate dos anos 50 entre figurativos e abstratos, o crítico mantém uma posição antiexcludente, como mostra Lisbeth Rebollo Gonçalves.
O ceticismo de Milliet, destacado por Naum Simão Santana, mantém suspensa a última palavra. Ainda em 1942, o literato desconfiava de teorias como as que ele mesmo formulava: "Tudo é relativo e sujeito a ponderação. Não entender assim a vida é afogar-se no mais absurdo dos simplismos. Ora o totalitário é o indivíduo que se afoga no simplismo, que tira uma doutrina severa, dogmática, inteiriça, de um certo número de coincidência. Fica o cético, o corajoso prosseguindo na pesquisa ingrata, única entretanto ainda suscetível de trazer alguma luz a nosso caos" (pág. 95).
A edição instigante deixa em aberto os problemas levantados pela multiplicidade de aspectos da trajetória intelectual analisada.


Sérgio Milliet - 100 Anos
Autor:
Lisbeth Rebollo Gonçalves (org.)
Editora: Imesp
Quanto: R$ 30


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