São Paulo, quarta-feira, 18 de outubro de 2006

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Uma instituição do punk fecha suas portas

Patti Smith fez o último show da história do clube de Nova York que lançou, desde os anos 70, Talking Heads, Ramones e outros

Berço do punk rock, o CBGB, em Nova York, teve seu último show no domingo


Adam Rountree - 15.out.2006/Associated Press
A roqueira Patti Smith fala com a imprensa na porta do CBGB antes de iniciar o show de despedida do clube, no último domingo


JON PARELES
DO "NEW YORK TIMES"

Pouco depois da 1h da madrugada de segunda, as últimas notas ecoaram do palco do CBGB & OMFUG, a casa noturna do Bowery, em Nova York, onde o punk rock nasceu. Patti Smith fechou o último show na história do clube com "Elegie" e seus olhos se encheram de lágrimas enquanto lia uma lista de defensores do punk rock que morreram ao longo dos anos.
Pouco antes disso, ela chegara a um pico frenético de intensidade em um medley que combinava "Horses" e "Gloria" e proclamara que "Jesus morreu pelos pecados de alguém/ Mas não pelos do CBGB".
As duas canções eram parte de seu álbum de estréia, "Horses", de 1975, quando Smith e o CBGB criavam fama. Ela começara como poeta, mas se transformara em roqueira, redobrando a energia que havia encontrado nas canções de estrutura básica do gênero. O clube -cujas iniciais significam Country Bluegrass Blues and Other Music for Uplifting Gormandizers- era um refúgio para jovens músicos. O proprietário, Hilly Kristal, decidira apresentar bandas de sonoridade primitiva, mas grandes aspirações intelectuais, que contrariavam os imperativos comerciais do rock dos anos 70. No show, Smith [que vem ao Brasil neste mês para o Tim Festival] descreveu o CBGB como "o lugar que Hilly nos ofereceu para criar novas idéias, fracassar, cometer erros e atingir novas alturas".
Inaugurado em 1973, o CBGB encerrou sua vida como começou. Jamais mudou de endereço, o térreo e o subsolo de uma construção que abrigava uma pensão nos andares superiores.
Jamais alterou seu espaço: bar iluminado por sinais de cerveja em néon, pista de dança irregular, teto que parecia ameaçado de desabamento, palco em ângulo peculiar e banheiros notórios. Ao longo dos anos, o sistema de som foi melhorado até seu rugido incontido transformar qualquer acorde de força em som explosivo. Mas o lugar foi se tornando poeirento, recoberto por cartazes de bandas e manchas de fluidos corpóreos dos freqüentadores. Smith mesma cuspiu no palco algumas vezes no show final.

Propostas duráveis
Os conceitos propostos pelas bandas que o CBGB apresentava se provaram duráveis -as canções ásperas de Smith, o funk nervoso do Talking Heads e o rock contagiante dos Ramones. Tendo propiciado espaço para o crescimento de bandas assim -e, depois, Sonic Youth, Living Colour e outras-, o CBGB virou um marco do rock.
Sua reputação cresceu o suficiente para sustentar a casa por anos. O elenco de bandas se tornou menos seletivo nos anos 90 e 2000, mas vez por outra aparecia uma banda famosa, numa espécie de peregrinação ao templo de tantas origens.
Ainda assim, continuou a ser um bar de bairro. O último show do clube não foi uma produção sofisticada, destinada a um especial de TV. A noite foi marcada por duas entradas da banda de Smith, acompanhada por Flea, do Red Hot Chili Peppers, e Richard Lloyd, do Television, cujos primeiros shows ajudaram a definir a personalidade do CBGB.
Entre as canções que Smith tocou, estavam "Marquee Moon", do Television, com Lloyd, e outros clássicos que ganharam fama na casa: "The Tide Is High", do Blondie; "Sonic Reducer", dos Dead Boys; e um medley dos Ramones cantado pelo guitarrista de Smith, Lenny Kaye. Smith ignorou a condição que Kristal impunha a quem se apresentava no clube -tocar apenas canções próprias-, mas, tendo em vista a ocasião, a exceção é perdoável.
O punk rock jamais prometeu ser duradouro. As canções pareciam prontas para a autodestruição -muitas vezes só com três acordes e um surto de frustração, combatividade ou humor-, assim como alguns músicos. Mas o punk, na forma codificada pelos Ramones, terminou por atender a uma perene necessidade adolescente -e persistiu. O gênero se infiltrou nos subúrbios, nos anos 80, criando um circuito de casas próprias, e se tornou o milionário punk pop dos anos 90.
É uma vergonha perder uma casa com esse retrospecto. A perspectiva de um CBGB recriado em Las Vegas não serve como compensação; Las Vegas não fica no bairro. Mas o CBGB fez seu trabalho tão bem que gerou concorrentes e herdeiros. Bandas que se baseiam no som ouvido no CBGB nos anos 70 tocam em toda parte. O fechamento representa o fim de uma porção adorável da história imobiliária de Nova York, mas não o final de uma era.
"A meninada encontrará outros clubes", disse Smith durante o show. "É só encontrar um lugar ruim, que ninguém queira, e aí fazer o seu som." Ao fim do show, Smith voltou ao palco. Enquanto os fãs estendiam as mãos, ela distribuía buttons com os dizeres: "O que resta é o futuro".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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