São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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Autor obsessivo, Gonçalo Tavares atinge maturidade

Prolífico autor português, vencedor do Portugal Telecom, começou a publicar livros quando maioria já estava pronta

Em seis anos, Tavares escreveu 20 títulos; correção "maníaca" dos textos e produção de séries fazem parte de sua metodologia

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor português Gonçalo M. Tavares, 37, estreou na literatura em 2001, com "Livro da Dança". Passados seis anos, ele já escreveu 20 obras, e a "maturidade" como autor vem sendo atestada pelos diversos prêmios que "Jerusalém" ganhou desde o lançamento em 2004, em Portugal - o último foi o Portugal Telecom, entregue a Tavares anteontem à noite, em São Paulo.
Sobre o romance, José Saramago já havia comentado: "Um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem com apenas 35 anos". Tavares explica que o "segredo" da maturidade precoce, com grande número de lançamentos em tão pouco tempo, está nos caminhos que percorreu até o primeiro livro. E no seu método "maníaco" de trabalho.
"Publiquei meu primeiro livro aos 31, mas desde os 19 ou 20 anos tive metodologia obsessiva, maníaca, de levantar às 5h, ler e escrever. Quase marquei os 30 anos como data antes da qual não iria publicar. Assim teria lido o suficiente para saber se meus livros acrescentariam algo ou não. Boa parte dos meus livros foi escrita nessa fase", diz Tavares, que espera um ou dois anos para retomar a primeira versão de um livro, a que chama de "matéria bruta".
"Quando acabo de escrever, a sensação é a de que fiz a melhor coisa do mundo. Passado dois dias, é a segunda melhor. E depois de um mês não é nada especial ou até ruim", conta o escritor. "Então tento fazer outra coisa, escrever outro livro. Depois volto e aí começo a limar, cortar, corrigir. Uma eventual maturidade vem desta distância, de poder iluminar o que já foi escrito. Sinto quase como se o livro não fosse meu e, com olhar de leitor que pode mexer no livro, torna-se menos doloroso cortar."

Autor "serial"
O método do escritor tem outra faceta: a serialidade. A coleção "O Bairro" prevê 40 "residentes" célebres, entre eles Bertolt Brecht, Paul Valéry, Marcel Duchamp, e, em breve, a ucraniana radicada no Brasil Clarice Lispector. Juntos, os livros formam uma espécie de ensaio sobre a história da literatura, na forma de ficção.
"Não me interessa a parte biográfica. Tento apanhar espírito dos escritos e temas dos autores. Se as pessoas lerem os livros, não conhecerão a obra destes artistas. Mas é uma espécie de iniciação."
Já o romance "Jerusalém" faz parte de uma tetralogia chamada "O Reino", de que fazem parte ainda "Um Homem: Klaus Klump", recém-lançado no Brasil, "A Máquina de Joseph Walser" e "Aprender a Rezar na Era da Técnica", que sai em novembro em Portugal. Os livros, diz Tavares, são uma investigação sobre o mal. Em "Jerusalém", que se passa em um hospício, Tavares contrapõe loucos e racionais, cabendo aos últimos a marca da violência.
Evitando a figura de um escritor "crítico do momento", sem especificar quando e onde sua história se passa, Tavares, no entanto, não abre mão de um engajamento sutil na obra.
"A história das ditaduras é feita da atribuição da categoria de loucos aos inimigos. Stálin fez isso de modo constante e quase todos os ditadores. Na história, de modo geral, atrás de pessoas violentas havia pessoas ingênuas que não percebiam o que estava a acontecer. Entravam numa parada militar ou fuzilavam outra pessoa, sem perceber. A literatura pode ter a função de diminuir a ingenuidade e eu tento aumentar a lucidez das pessoas."
Outra "militância" de Tavares envolve o português. Ao agradecer o Prêmio Portugal Telecom, o escritor falou que a ligação entre as pessoas que falam o idioma é um tipo de batalha, que vem sendo ganha exemplarmente pelos espanhóis. "Há circulações entre escritores de língua espanhola e seus livros que não têm correspondência com os de língua portuguesa. Nesse aspecto estes prêmios são bons para combater algum isolamento que exista entre os países. É um bom caminho, que torna as literaturas destes sítios mais fortes. E também a língua."


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