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Autor obsessivo, Gonçalo Tavares atinge maturidade
Prolífico autor português, vencedor do Portugal Telecom, começou a publicar livros quando maioria já estava pronta
Em seis anos, Tavares escreveu 20 títulos; correção "maníaca" dos textos e produção de séries fazem parte de sua metodologia
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor português Gonçalo M. Tavares, 37, estreou na literatura em 2001, com "Livro
da Dança". Passados seis anos,
ele já escreveu 20 obras, e a
"maturidade" como autor vem
sendo atestada pelos diversos
prêmios que "Jerusalém" ganhou desde o lançamento em
2004, em Portugal - o último
foi o Portugal Telecom, entregue a Tavares anteontem à noite, em São Paulo.
Sobre o romance, José Saramago já havia comentado: "Um
grande livro, que pertence à
grande literatura ocidental.
Gonçalo M. Tavares não tem o
direito de escrever tão bem
com apenas 35 anos". Tavares
explica que o "segredo" da maturidade precoce, com grande
número de lançamentos em tão
pouco tempo, está nos caminhos que percorreu até o primeiro livro. E no seu método
"maníaco" de trabalho.
"Publiquei meu primeiro livro aos 31, mas desde os 19 ou
20 anos tive metodologia obsessiva, maníaca, de levantar às
5h, ler e escrever. Quase marquei os 30 anos como data antes da qual não iria publicar. Assim teria lido o suficiente para
saber se meus livros acrescentariam algo ou não. Boa parte
dos meus livros foi escrita nessa fase", diz Tavares, que espera
um ou dois anos para retomar a
primeira versão de um livro, a
que chama de "matéria bruta".
"Quando acabo de escrever, a
sensação é a de que fiz a melhor
coisa do mundo. Passado dois
dias, é a segunda melhor. E depois de um mês não é nada especial ou até ruim", conta o escritor. "Então tento fazer outra
coisa, escrever outro livro. Depois volto e aí começo a limar,
cortar, corrigir. Uma eventual
maturidade vem desta distância, de poder iluminar o que já
foi escrito. Sinto quase como se
o livro não fosse meu e, com
olhar de leitor que pode mexer
no livro, torna-se menos doloroso cortar."
Autor "serial"
O método do escritor tem outra faceta: a serialidade. A coleção "O Bairro" prevê 40 "residentes" célebres, entre eles
Bertolt Brecht, Paul Valéry,
Marcel Duchamp, e, em breve,
a ucraniana radicada no Brasil
Clarice Lispector. Juntos, os livros formam uma espécie de
ensaio sobre a história da literatura, na forma de ficção.
"Não me interessa a parte
biográfica. Tento apanhar espírito dos escritos e temas dos autores. Se as pessoas lerem os livros, não conhecerão a obra
destes artistas. Mas é uma espécie de iniciação."
Já o romance "Jerusalém"
faz parte de uma tetralogia chamada "O Reino", de que fazem
parte ainda "Um Homem:
Klaus Klump", recém-lançado
no Brasil, "A Máquina de Joseph Walser" e "Aprender a Rezar na Era da Técnica", que sai
em novembro em Portugal. Os
livros, diz Tavares, são uma investigação sobre o mal. Em "Jerusalém", que se passa em um
hospício, Tavares contrapõe
loucos e racionais, cabendo aos
últimos a marca da violência.
Evitando a figura de um escritor "crítico do momento",
sem especificar quando e onde
sua história se passa, Tavares,
no entanto, não abre mão de
um engajamento sutil na obra.
"A história das ditaduras é
feita da atribuição da categoria
de loucos aos inimigos. Stálin
fez isso de modo constante e
quase todos os ditadores. Na
história, de modo geral, atrás de
pessoas violentas havia pessoas
ingênuas que não percebiam o
que estava a acontecer. Entravam numa parada militar ou
fuzilavam outra pessoa, sem
perceber. A literatura pode ter
a função de diminuir a ingenuidade e eu tento aumentar a lucidez das pessoas."
Outra "militância" de Tavares envolve o português. Ao
agradecer o Prêmio Portugal
Telecom, o escritor falou que a
ligação entre as pessoas que falam o idioma é um tipo de batalha, que vem sendo ganha
exemplarmente pelos espanhóis. "Há circulações entre escritores de língua espanhola e
seus livros que não têm correspondência com os de língua
portuguesa. Nesse aspecto estes prêmios são bons para combater algum isolamento que
exista entre os países. É um
bom caminho, que torna as literaturas destes sítios mais fortes. E também a língua."
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