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Ney Matogrosso estréia show com crítica social
Irritado com a política, cantor faz apresentação "compatível com o tempo em que vivemos"
Intérprete diz que o show "Inclassificáveis", que deve virar CD, "não é como os que fez até hoje", mas prega protesto "sem mau humor"
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ney Matogrosso não é dado a
discursos de protesto no palco,
mas seu crescente incômodo
com a política e com a miséria
social no Brasil o levou a criar
um show "compatível com o
tempo em que vivemos".
Em "Inclassificáveis", espetáculo que estréia hoje, no Citibank Hall, em São Paulo, e que
ele pretende transformar em
CD, Ney deixa de lado os sambas e a MPB acústica de seus
discos mais recentes e volta a se
concentrar no pop rock, com
um roteiro de 22 músicas no qual fica nítido o
tom de crítica que ele deseja.
À Folha, por telefone, na semana passada, o cantor explicou sua indignação e falou sobre o novo show.
FOLHA - "Inclassificáveis" é o nome do show e de seu próximo CD,
ainda não gravado. Por que preferiu
fazer o show antes de gravar?
NEY MATOGROSSO - Eu já tinha
feito isso uma vez, quando gravei o disco com o Aquarela Carioca ["As Aparências Enganam", 1993], e gostei do resultado. Em geral, quando gravo
um álbum, depois nem gosto de
ouvir, porque acho muito diferente do que ele vira [no palco].
Acho precipitado demais,
quando você grava um disco,
ainda não está no comando.
FOLHA - Mas isso significa que a
maioria de seus discos, gravados em
estúdio e depois transformados em
show, são inferiores?
NEY - Não, mas, quando gravo
um disco, estou lendo as letras.
Quando você está fazendo um
show depois de um certo tempo
você já sabe melhor, já passa
pela sua inteligência. Quando
você está lendo, não, passa só
pelo olhar, você não tem tempo
de dominar a história. Eu prefiro fazer assim.
FOLHA - Por que a canção de Arnaldo Antunes dá nome ao show?
NEY - Veja, eu abro com "O
Tempo Não Pára", depois canto
"Por Que a Gente É Assim?"
[ambas de Cazuza com parceiros], aí tem "Ode aos Ratos" [de
Chico Buarque e Edu Lobo] e
"Inclassificáveis". Acho que
tem um assunto aí, uma coisa
que permeia. É claro que não
estou fazendo um show de protesto, mas ele tem uma crítica,
pelo menos no meu entender.
E, no fim do show, canto "Divino Maravilhoso" [de Caetano e
Gil], que acho que é compatível
com o tempo em que vivemos.
FOLHA - Você fez dois aquecimentos, o show já está pronto?
NEY - No papel, está, é um roteiro interessante, mas preciso
testá-lo mais diante do público.
É um show atípico, não é o que
eu tenho feito até hoje. Percebi
que o público gostava, mas não
tinha muita reação, não sei se
eles achavam que era forte demais ou se não estavam preparados para ouvir. Em "Ode aos
Ratos", que, para mim, é o ponto alto do show, as pessoas ficavam estáticas.
FOLHA - E que reação você espera?
NEY - Espero que compreendam a minha viagem. Minha
preocupação não é que me
aplaudam, mas que compreendam por onde eu estou indo. Eu
não me preocupo em estar na
atualidade, mas, neste momento, estou na freqüência do mundo, falando dele inclusive, e espero que as pessoas me entendam, só isso. Apesar de tudo, é
um show otimista.
FOLHA - E o que o incomoda mais
atualmente?
NEY - Estão achando que somos um bando de idiotas. Cadê
o Brasil que dizem que está
dando certo? Eu vejo o monte
de miseráveis pelas ruas aumentando, e não só no Rio.
FOLHA - O que acha da gestão de
Gilberto Gil na Cultura?
NEY - Não vejo nenhum movimento acontecendo na cultura
que seja algo digno de comentar. Há quanto tempo ele está
lá? Eu me sinto no direito de
não estar tão encantado.
FOLHA - O que o ministro deveria
estar fazendo?
NEY - Não sei, se soubesse teria
me candidatado ao cargo. Mas
algum movimento precisa estar visível. Tudo é prometido,
mas as coisas não se concretizam. Não estou falando de um,
estou falando de todos. Já vi
uma mão aberta com cinco metas [a imagem de campanha de
Fernando Henrique Cardoso
em 1994], passaram-se oito
anos e as metas não chegaram.
FOLHA - Você está desencantado
com a política em geral?
NEY - Não vejo políticos agindo
para transformar a vida do povo brasileiro para melhor. A
única ilusão que eu tive, perdi,
que foi essa de agora.
FOLHA - O governo Lula?
NEY - Sim, votei no Lula em todas as vezes que ele se candidatou, até a primeira vitória.
FOLHA - A arte é uma solução?
NEY - Acho que é um veículo de
expressão muito interessante,
mas não acredito que, em termos políticos, mude alguma
coisa. Mas, o Secos e Molhados,
por exemplo, foi uma possibilidade de pensamento independente quando isso não era permitido [durante a ditadura].
INCLASSIFICÁVEIS
Quando: hoje, às 21h30; amanhã e
sáb., às 22h; dom., às 20h
Onde: Citibank Hall (av. dos Jamaris, 213, Moema, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 6846-6040)
Quanto: R$ 50 a R$ 120
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