São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007

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Ney Matogrosso estréia show com crítica social

Irritado com a política, cantor faz apresentação "compatível com o tempo em que vivemos"

Intérprete diz que o show "Inclassificáveis", que deve virar CD, "não é como os que fez até hoje", mas prega protesto "sem mau humor"

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ney Matogrosso não é dado a discursos de protesto no palco, mas seu crescente incômodo com a política e com a miséria social no Brasil o levou a criar um show "compatível com o tempo em que vivemos".
Em "Inclassificáveis", espetáculo que estréia hoje, no Citibank Hall, em São Paulo, e que ele pretende transformar em CD, Ney deixa de lado os sambas e a MPB acústica de seus discos mais recentes e volta a se concentrar no pop rock, com um roteiro de 22 músicas no qual fica nítido o tom de crítica que ele deseja.
À Folha, por telefone, na semana passada, o cantor explicou sua indignação e falou sobre o novo show.

 

FOLHA - "Inclassificáveis" é o nome do show e de seu próximo CD, ainda não gravado. Por que preferiu fazer o show antes de gravar?
NEY MATOGROSSO -
Eu já tinha feito isso uma vez, quando gravei o disco com o Aquarela Carioca ["As Aparências Enganam", 1993], e gostei do resultado. Em geral, quando gravo um álbum, depois nem gosto de ouvir, porque acho muito diferente do que ele vira [no palco]. Acho precipitado demais, quando você grava um disco, ainda não está no comando.

FOLHA - Mas isso significa que a maioria de seus discos, gravados em estúdio e depois transformados em show, são inferiores?
NEY -
Não, mas, quando gravo um disco, estou lendo as letras. Quando você está fazendo um show depois de um certo tempo você já sabe melhor, já passa pela sua inteligência. Quando você está lendo, não, passa só pelo olhar, você não tem tempo de dominar a história. Eu prefiro fazer assim.

FOLHA - Por que a canção de Arnaldo Antunes dá nome ao show?
NEY -
Veja, eu abro com "O Tempo Não Pára", depois canto "Por Que a Gente É Assim?" [ambas de Cazuza com parceiros], aí tem "Ode aos Ratos" [de Chico Buarque e Edu Lobo] e "Inclassificáveis". Acho que tem um assunto aí, uma coisa que permeia. É claro que não estou fazendo um show de protesto, mas ele tem uma crítica, pelo menos no meu entender. E, no fim do show, canto "Divino Maravilhoso" [de Caetano e Gil], que acho que é compatível com o tempo em que vivemos.

FOLHA - Você fez dois aquecimentos, o show já está pronto?
NEY -
No papel, está, é um roteiro interessante, mas preciso testá-lo mais diante do público. É um show atípico, não é o que eu tenho feito até hoje. Percebi que o público gostava, mas não tinha muita reação, não sei se eles achavam que era forte demais ou se não estavam preparados para ouvir. Em "Ode aos Ratos", que, para mim, é o ponto alto do show, as pessoas ficavam estáticas.

FOLHA - E que reação você espera?
NEY -
Espero que compreendam a minha viagem. Minha preocupação não é que me aplaudam, mas que compreendam por onde eu estou indo. Eu não me preocupo em estar na atualidade, mas, neste momento, estou na freqüência do mundo, falando dele inclusive, e espero que as pessoas me entendam, só isso. Apesar de tudo, é um show otimista.

FOLHA - E o que o incomoda mais atualmente?
NEY -
Estão achando que somos um bando de idiotas. Cadê o Brasil que dizem que está dando certo? Eu vejo o monte de miseráveis pelas ruas aumentando, e não só no Rio.

FOLHA - O que acha da gestão de Gilberto Gil na Cultura?
NEY -
Não vejo nenhum movimento acontecendo na cultura que seja algo digno de comentar. Há quanto tempo ele está lá? Eu me sinto no direito de não estar tão encantado.

FOLHA - O que o ministro deveria estar fazendo?
NEY -
Não sei, se soubesse teria me candidatado ao cargo. Mas algum movimento precisa estar visível. Tudo é prometido, mas as coisas não se concretizam. Não estou falando de um, estou falando de todos. Já vi uma mão aberta com cinco metas [a imagem de campanha de Fernando Henrique Cardoso em 1994], passaram-se oito anos e as metas não chegaram.

FOLHA - Você está desencantado com a política em geral?
NEY -
Não vejo políticos agindo para transformar a vida do povo brasileiro para melhor. A única ilusão que eu tive, perdi, que foi essa de agora.

FOLHA - O governo Lula?
NEY -
Sim, votei no Lula em todas as vezes que ele se candidatou, até a primeira vitória.

FOLHA - A arte é uma solução?
NEY -
Acho que é um veículo de expressão muito interessante, mas não acredito que, em termos políticos, mude alguma coisa. Mas, o Secos e Molhados, por exemplo, foi uma possibilidade de pensamento independente quando isso não era permitido [durante a ditadura].


INCLASSIFICÁVEIS
Quando:
hoje, às 21h30; amanhã e sáb., às 22h; dom., às 20h
Onde: Citibank Hall (av. dos Jamaris, 213, Moema, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 6846-6040)
Quanto: R$ 50 a R$ 120


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