São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Luciana Whitaker/Folha Imagem
Lilia Cabral se prepara para a gravação da novela "Viver a Vida'

Lilia Cabral, que rouba a cena em "Viver a Vida", se firma como estrela de primeira grandeza depois de muitos anos em que, às vezes, se sentiu, como diz, "assim... poxa, abandonada" na TV

"Tem duas datas que uma mulher nunca esquece: a do casamento e a do divórcio", diz Tereza, a ex-mulher. Já Lilia, a que dá voz e corpo à primeira, acha graça. Não que nunca tenha se separado ou casado. É, como diz à repórter Audrey Furlaneto, "uma mulher de verdade": divorciou-se aos 36 anos, "sem traumas", depois de sete anos de casamento, e, agora, vive com o segundo marido "o conforto, o aconchego e a cumplicidade de querer ficar o fim da vida juntos".

 

Aos 52 anos, Lilia Cabral interpreta Tereza na novela "Viver a Vida", da Globo. Ao contrário da personagem -ressentida por ter sido traída e deixada pelo marido após abandonar a carreira por ele-, a atriz, "graças a Deus", não acumula dores de cotovelo. "Eu sou assim: me separei da primeira vez [do cineasta João Jardim] e não foi traumático, nada disso. Foi normal. Estou casada pela segunda vez há mais de 14 anos, e a gente já é um casal maduro.
Temos uma filha de 12 [Giulia], tenho 52, meu marido [o economista Iwan Figueiredo], 60. Quer dizer, pensamos no futuro dela, pensamos pra frente."

 

Ainda assim, ela conhece algumas Terezas. "Uma amiga até me disse: "Você precisava lembrar na novela que a gente nunca esquece data de casamento e divórcio?'", diz, gargalhando em seguida. Para compor a personagem, ela só usou "referências da vida". "É muito de dia a dia mesmo, de você ver num filme um certo olhar de uma atriz ou um ator, amargurado ou triste, por chegar a um determinado tempo da vida e jamais ter imaginado que um piano pode cair na cabeça."

 

Por piano que cai, leia-se: o divórcio. Ele, aliás, foi o que Lilia chama de "mudança radical" em sua vida: "Quando eu me separei da primeira vez, sim, eu mudei completamente. Me vi independente, comprei meu apartamento, tinha 35 anos.
Não olhei pra trás". Tereza, sua personagem, olha. "Ela é uma mulher que sempre teve tudo.
A partir do momento em que deixou de ser modelo e casou, o marido contornou a falta que fez a profissão com tudo aquilo que ela queria. Então, ela foi mal-acostumada. Ela tem aquela mansão de Búzios, propriedades, dinheiro, viagens..."

 

Na vida da atriz, não foi o marido, mas o pai, Bertolli Gino, um italiano que imigrou para o Brasil como mecânico de uma fábrica da Itália, quem quis que ela abandonasse a profissão.
Foi assim que, aos 26, depois de fazer a Escola de Arte Dramática, em SP, Lilia saiu de casa brigada e se mudou para o Rio.

 

"Ele não queria que eu viesse, que eu tivesse uma vida independente. Imagina? Eu já tinha 26 anos. Ele estava louco?", conta. Mais tarde, fez as pazes.
"Fiz, mas não precisava ter brigado. E, depois, eles [o pai e a mãe, Almedina Cabral] já estavam mais velhos e faleceram, e eu fiquei sem um e sem outro.
Por outro lado, eu também fui muito responsável comigo mesma, com meus sentimentos, não abri mão do que eu mais quis na minha vida."

 

Lilia é contratada da TV Globo há 25 anos, fez 24 novelas, mas foi só em 2006, com a polêmica Marta, a avó que não tolerava a neta com síndrome de Down, em "Páginas da Vida", que conseguiu sua "ascensão".
Em seguida, interpretou Catarina, que apanhava do marido em "A Favorita" (2008), e protagonizou "Divã", uma das maiores bilheterias do cinema nacional em 2009 (mais de 1,85 milhão de espectadores). Antes, porém, atuou em papéis mais leves, de mulheres divertidas, como a Aldeíde Candeias de "Vale Tudo" (1988) ou a Amorzinho de "Tieta" (1989).

 

"Chegavam a emocionar, a divertir, mas pegar um personagem que, quando você está assistindo, fica com engulhos daquela pessoa, isso eu nunca tinha feito", diz. "A televisão só me deu prazer, mas não posso dizer que, às vezes, eu não me senti, assim... poxa, abandonada. Pensava que poderia ter feito alguma coisa melhor, não sei o quê. Em algumas novelas, queria ter papéis melhores, e não tive." Ela completa: "Eu não tenho "panelas", trabalho com todo mundo, com vários diretores, autores. Isso também não significa que eu não tenha, em algumas situações, ficado frustrada, triste, como em todas as profissões".

 

Foi Manoel Carlos quem lhe deu os primeiros "personagens complexos". "Ele acreditava que eu podia ser capaz de fazer o outro lado que não o histriônico, divertido. Ele me vê como uma mulher forte", diz Lilia. Os papéis mais densos renderam convites para dar palestras. O tema? "Sobre a vida", ela ri. "Eu não sei, eu seria um blefe. Tem gente que se arrisca, vai lá, dá palestra, ganha cachê. Eu não me arrisco. Não posso, é contra a minha ética", diz. "Trabalho com a verdade. Não engano."

 

Lilia é discreta. Na última quarta-feira, no Projac, vestia calça e camisa em tons pastéis, sapatilhas amarelas, tinha o cabelo impecável -com laquê da personagem, que ela cuida para manter. "Sou uma Barbie que você veste e fica durinha!" E era só sorrisos e abraços com camareiras, maquiadores e contrarregras. Com 1,74 m e olhos claros, herança do pai italiano, já foi até convidada para posar nua na "Playboy" aos 30, quando fazia "Vale Tudo".

 

"Eu falei "não" direto. Nem por muito dinheiro, nada", diz.
"Minha formação não é essa de pensar se a "Playboy" chama, se você vira capa de revista, quantas capas você vai fazer... A maior exposição da gente é todo dia no horário nobre." Nem publicidade ela faz muito. Quando soube que o amigo José Mayer, ator que interpreta o ex-marido de sua personagem na atual novela, ganhou cachê de R$ 800 mil por anúncios da Vale (que acabaram engavetados pela mineradora), disse: "Ô, Zé, eu quero ser você amanhã!"

 

A atriz diz que "adora ter uma vida comum" -embora não tenha férias há cinco anos por não conseguir negar convites para novelas. Gosta de andar a pé pelo bairro onde mora, o Jardim Botânico, na zona sul do Rio, coleciona canetas e lápis de cor, escreve diários e, depois de 22 anos, interrompeu a análise. "Quando você passa dos 50, sabe, começa a pensar que, não é que tenha que resolver os problemas, mas é mais curtir a vida do que propriamente enxergar os problemas. E eu tô nessa, sabe?"

"Quando você passa dos 50, sabe, começa a pensar que, não é que tenha que resolver os problemas, mas é mais curtir a vida do que propriamente enxergar os problemas"
LILIA CABRAL, atriz


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