São Paulo, Quinta-feira, 18 de Novembro de 1999
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TEATRO
O criador do "Teatro do Oprimido" funde popular e erudito na "sambópera" que estréia em São Paulo
Boal ronca cuíca na "Carmen" de Bizet

Simone Rodrigues/Folha Imagem
Atores-dançarinos em "Carmem", peça dirigida por Augusto Boal



VALMIR SANTOS
especial para a Folha

Mesmo quando pisa o vetusto terreno da ópera o diretor e dramaturgo Augusto Boal, 68, não deixa de lado a essência do seu "Teatro do Oprimido", livro lançado em 1974. Ele aplicou alguns exercícios na montagem de "Carmen", obra-prima do compositor francês Georges Bizet (1838-1875), que estréia hoje em curta temporada no Sesc Vila Mariana, vinda do Rio. A atração faz parte do projeto "1.999 Reticências".
E não são só exercícios. Há a ênfase social, prerrogativa da carreira do encenador. O erudito e o popular permeiam a história da cigana sedutora que ora compartilha seu coração com um contrabandista, ora com um soldado.
Para contemporizar a história, Boal inventou a "sambópera", fruto da parceria com o diretor musical Marcos Leite.
Fazendo jus à formação de engenheiro químico, o encenador diz ter criado um "amálgama" onde os elementos reunidos, "ao contrário da mera combinação", não perdem a identidade. A harmonia de Bizet é preservada, mas ecoa por meio de instrumentos como agogô, cuíca e cavaquinho.
Samba, polca, valsa, frevo, enfim, um espectro de ritmos tradicionais da cultura brasileira legitimam a simbiose, acredita Boal. "Temos até um tango negro", conta sorrateiro, numa referência à corruptela sonora que cometeu sobre a "Habanera" cubana.
E o teatro, fonte primeira, determina tudo. "Optamos por um tratamento de teatro dramático e não lírico, como ocorre em 99% das óperas", justifica. "Os atores cantam para si, e não frontalmente para o público."
A perspectiva multicultural também é explorada. Ela surge estampada, por exemplo, na figura do toureiro Escamilo (Marcelo Escorel), outro amante de Carmen. O sujeito entra em cena com a indumentária de um jogador de futebol, chuteira e tudo. Para Boal, a catarse do gol é comparável à emoção provocada diante do embate do touro e do homem no centro da arena.
Mas a brasilidade tem seus limites. "É bom ressaltar que o espetáculo não é uma tradução ao pé da letra. A Sevilha e suas raízes espanholas, por exemplo, estão lá intactas", assegura.
O time de 11 atores-cantores da "sampóbera" reúne, entre outros, Ana Borges (Carmen), Raul Serrador (José), Regina Lucatto (Micaela) e Duda Mamberti (Capitão Zuniga).
Sua mulher, Cecília Boal, que havia 15 anos tentava convencê-lo da idéia de montar "Carmen", ganhou o papel da mãe de José, o soldado.
E o diretor já acena com um novo gênero, o "boulevard maldito", como costuma tratar as duas novas peças que escreveu, "O Amigo Oculto" e "A Herança Maldita". "É aquela coisa da empregadinha espanando móveis, se escondendo atrás do baú.Tem um pouco de suspense, de "grand guignol", para falar do desgaste que é falar de globalização", mistura e manda.


Peça: Carmen
Autor: Georges Bizet
Adaptação e direção: Augusto Boal
Com: Thalma de Freitas, Izabella Bicalho, Jorge Caetano e outros
Quando: estréia hoje, 21h; amanhã e sáb., 21h; dom., 19h
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 0/xx/11/5080-3147)
Quanto: R$ 7,50 a R$ 15




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