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BIA ABRAMO
Blog é mais imaginativo que "Duas Caras"
O blog é peça poderosa de marketing; não há dia em que novela e autor não estejam na mídia
SE SE PUDESSE ler o blog que
Aguinaldo Silva criou para defender "Duas Caras" como ficção, teríamos uma obra mais interessante do que a novela que vem
sendo exibida.
Vejamos: o autor-personagem do
blog tem uma vida que é uma verdadeira loucura. Agredido na rua por
petistas enfurecidas, achincalhado
por correspondentes desaforados,
ofendido por jornalistas inescrupulosos, pois não é que, ainda por cima,
o céu lhe cai sobre a cabeça?
Tudo isso porque o tal escritor, outrora jornalista detentor de prêmios
e estrela da imprensa alternativa, escreve uma novela que incomoda, ao
que parece, os poderosos. No blog, a
novela de sua autoria é incrivelmente corajosa, do tipo mata a cobra e
mostra o pau. Além de oferecer a interpretação definitiva sobre a vida
na favela, a obra deste autor -"fino,
culto e educado", adjetivos que, em
sua infinita modéstia, se auto-atribui- teria a mais lúcida análise sobre as relações raciais no Brasil.
E isso tudo só seria possível por que essa
espécie de gênio desafia, como ninguém mais teria peito de fazê-lo, a
praga do politicamente correto, uma
invenção diabólica que só serve para
impedir que as pessoas igualmente
finas, cultas e educadas como ele digam o que lhes vier à cabeça.
Mas, está claro, não se pode ler o
blog dessa maneira, por mais que a
vivacidade das diatribes de Aguinaldo Silva contra seus detratores sugira que há uma boa dose de exagero
imaginativo naquilo que escreve. O
blog é uma peça auxiliar poderosa no
marketing de "Duas Caras" -desde
que estreou, não há um dia em que a
novela e seu autor não estejam na
mídia, por uma ou outra razão.
Enquanto isso, na novela, se há excesso, é de agenda: é preciso fazer a
defesa do ensino superior privado, é
preciso mostrar como figuras que
antes estavam, digamos, na esquerda devem se curvar ao pragmatismo,
é preciso desancar as ONGs, mostrar
a dislexia etc. etc. Deve ser, de fato,
exaustivo dar conta de todo esse
programa de verdades a serem exibidas na novela e, depois, defendidas
no blog -tão cansativo que talvez
não sobre lá muito espaço para criar
a história.
Tome-se a favela da Portelinha,
por exemplo. No afã declarado de
oferecer uma alternativa às representações mais sombrias e recentes
da favela e de seus habitantes que
vêm sobretudo do cinema, o autor
criou um microcosmo risonho e
franco, mas devidamente disciplinado por uma espécie de "coronel"
nordestino disfarçado de líder comunitário. Ora, o que faz Juvenal
Antena, além de esbravejar e bufar
capítulo após capítulo?
biabramo.tv@uol.com.br
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