São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 2008

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Ciclo apresenta Murnau além do expressionismo

Mostra no CCBB-SP, de amanhã ao dia 30, exibe 12 filmes do cineasta alemão

Com longas como "A Última Gargalhada" e "Tabu", programação comprova que diretor extrapolava o rótulo "expressionista"


CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Num tempo de imagens digitais altamente estilizadas e manipulações visuais ao alcance de todos, quem ainda pode se interessar por filmes do início do século passado, em preto-e-branco, mudos e que contam histórias de sentimentos tão anacrônicos quanto a paixão? Provavelmente poucos, além dos pesquisadores de antigüidades do cinema.
Desde que despido de preconceito, um público maior pode descobrir os filmes do alemão Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931), considerado por grandes diretores o maior dos cineastas. Começa amanhã e vai até o dia 30, no CCBB-SP, o mais completo ciclo de sua obra, com os 12 sobreviventes de uma filmografia de 21 títulos, o restante considerado perdido (destaques ao lado).
Enquadrado de forma redutora na escola "expressionismo alemão" (gênero marcado pelo uso contrastado de luzes e sombras, cenários estilizados e temática fantasiosa e fantasmagórica), o cinema de F.W. Murnau é daqueles que extrapolam etiquetas.
A culpa pela redução recai sobre "Nosferatu", no qual a figura sombria do vampiro se esquiva da luz do sol e alcança sua dimensão trágica quando foge do cenário do castelo e atravessa a natureza para alcançar sua amada. No trajeto, o "expressionismo" de Murnau ganha outros contornos.

Ideais românticos
De "Nosferatu" (1922) a "Tabu" (1931), as sombras expressionistas foram expostas a intensidades variadas de luz, a ponto de quase sumirem sob a luminosidade tropical dos mares do sul captada em seu filme derradeiro, pouco antes de morrer aos 42 anos num acidente de carro na Califórnia.
Entre esses extremos, seu "expressionismo" tornou-se efeito da adoção peculiar da luz como pincel -ele estudou pintura ainda jovem, antes de ser absorvido pelos encantos do teatro. É este olhar pictórico que Murnau quis ampliar por meio da câmera, intensificado por ideais românticos que viam o mundo como um lugar a ser possuído pela imaginação.
Com este ideal em mente, o diretor não se limitou a um pictórico decorativo (como alguns de seus contemporâneos expressionistas). Quis, por exemplo, enfatizar a mobilidade da câmera, fazendo-a atravessar espaços e reproduzir sentimentos, intensificando o apelo de uma história simples (como em "A Última Gargalhada").
Também inventou cenários mirabolantes e antecipou muito dos sonhos do cinema onírico dos efeitos especiais ao recontar a lenda do pacto de um ambicioso homem de ciência com o Diabo na adaptação de "Fausto", clássico de Goethe.
Encantados pelo que viram, os americanos o seduziram para trabalhar em Hollywood. Com organização e orçamento volumosos, Murnau se lançou à empreitada de criar "Aurora", um épico intimista em que as emoções turbulentas dos personagens encontram revelação nas transformações que o olhar do diretor impõe aos espaços da natureza e da cidade.
Com a maioria das cópias em película (com exceção de "Fantasma", programado em DVD), o ciclo completa sua importância com a exibição de títulos raríssimos como "O Caminho na Noite", primeiro sobrevivente da filmografia, e "City Girl", cujas alterações impostas pelos executivos da Fox não impedem de ver em plena ação o gênio visual de Murnau.


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