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Ciclo apresenta Murnau além do expressionismo
Mostra no CCBB-SP, de amanhã ao dia 30, exibe 12 filmes do cineasta alemão
Com longas como "A Última Gargalhada" e "Tabu", programação comprova
que diretor extrapolava o
rótulo "expressionista"
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Num tempo de imagens digitais altamente estilizadas e manipulações visuais ao alcance
de todos, quem ainda pode se
interessar por filmes do início
do século passado, em preto-e-branco, mudos e que contam
histórias de sentimentos tão
anacrônicos quanto a paixão?
Provavelmente poucos, além
dos pesquisadores de antigüidades do cinema.
Desde que despido de preconceito, um público maior pode descobrir os filmes do alemão Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931), considerado
por grandes diretores o maior
dos cineastas. Começa amanhã
e vai até o dia 30, no CCBB-SP,
o mais completo ciclo de sua
obra, com os 12 sobreviventes
de uma filmografia de 21 títulos, o restante considerado perdido (destaques ao lado).
Enquadrado de forma redutora na escola "expressionismo
alemão" (gênero marcado pelo
uso contrastado de luzes e sombras, cenários estilizados e temática fantasiosa e fantasmagórica), o cinema de F.W. Murnau é daqueles que extrapolam
etiquetas.
A culpa pela redução recai
sobre "Nosferatu", no qual a figura sombria do vampiro se esquiva da luz do sol e alcança sua
dimensão trágica quando foge
do cenário do castelo e atravessa a natureza para alcançar sua
amada. No trajeto, o "expressionismo" de Murnau ganha
outros contornos.
Ideais românticos
De "Nosferatu" (1922) a "Tabu" (1931), as sombras expressionistas foram expostas a intensidades variadas de luz, a
ponto de quase sumirem sob a
luminosidade tropical dos mares do sul captada em seu filme
derradeiro, pouco antes de
morrer aos 42 anos num acidente de carro na Califórnia.
Entre esses extremos, seu
"expressionismo" tornou-se
efeito da adoção peculiar da luz
como pincel -ele estudou pintura ainda jovem, antes de ser
absorvido pelos encantos do
teatro. É este olhar pictórico
que Murnau quis ampliar por
meio da câmera, intensificado
por ideais românticos que viam
o mundo como um lugar a ser
possuído pela imaginação.
Com este ideal em mente, o
diretor não se limitou a um pictórico decorativo (como alguns
de seus contemporâneos expressionistas). Quis, por exemplo, enfatizar a mobilidade da
câmera, fazendo-a atravessar
espaços e reproduzir sentimentos, intensificando o apelo
de uma história simples (como
em "A Última Gargalhada").
Também inventou cenários
mirabolantes e antecipou muito dos sonhos do cinema onírico dos efeitos especiais ao recontar a lenda do pacto de um
ambicioso homem de ciência
com o Diabo na adaptação de
"Fausto", clássico de Goethe.
Encantados pelo que viram,
os americanos o seduziram para trabalhar em Hollywood.
Com organização e orçamento
volumosos, Murnau se lançou à
empreitada de criar "Aurora",
um épico intimista em que as
emoções turbulentas dos personagens encontram revelação
nas transformações que o olhar
do diretor impõe aos espaços
da natureza e da cidade.
Com a maioria das cópias em
película (com exceção de "Fantasma", programado em DVD),
o ciclo completa sua importância com a exibição de títulos raríssimos como "O Caminho na
Noite", primeiro sobrevivente
da filmografia, e "City Girl", cujas alterações impostas pelos
executivos da Fox não impedem de ver em plena ação o gênio visual de Murnau.
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