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LIVRO - LANÇAMENTO/EUA
Updike lança um quase-romance
ARTHUR NESTROVSKI
especial para a Folha
"Protesto geral seguiu-se ao
anúncio de que Henry Bech foi o
vencedor do Prêmio Nobel de literatura do ano de 1999."
Não será o caso hoje, dia em que
John Hoyer Updike recebe a medalha de honra da National Book
Foundation -em que pesem as diferenças de importância do prêmio e do autor.
Aos 66 anos e com 49 livros publicados, o criador de Bech não é
um candidato provável às honras
da Academia Sueca, mas é tido, por
consenso, como um dos maiores
estilistas da língua, dono de uma
arte verbal que se ilumina variadamente nas paisagens do romance,
do conto, da poesia, do ensaio, da
crônica e da crítica.
Ninguém escreve tanto tão bem
como ele: três contos, três poemas,
sete resenhas e um ensaio a contar
de março.
Soma-se a isso este novo livro,
"Bech at Bay" (Bech Acuado), um
"quase-romance" de cinco contos
interligados.
²
Labirintos
Henry Bech é um velho conhecido, o "semi-obscuro autor judeu-americano", personagem principal de dois livros anteriores:
"Bech: A Book" (1970) e "Bech Is
Back" (1982).
Mas Bech aqui é também mais
simplesmente um velho, desconhecido de si, procurando chão no
mundo literário, em pleno labirinto das relações entre autores, personagens, críticos, agentes, editores e jornalistas, sem falar nos outros labirintos, onde coabitam homens e mulheres.
Que o alter ego de Updike seja
um romancista judeu parece uma
piada judaica, mas não exatamente
digna do humor sombrio de Bech.
Atormentado pelas grandezas da
prosa e as pequenezas do coração,
esse Flaubert do Brooklyn está
quase no extremo oposto da exuberância verbal, se não moral, de
seu autor.
Para que poetas em tempos de
pobreza?, perguntava Hölderlin,
há 200 anos. Para que poetas em
tempos de riqueza? seria uma pergunta mais legítima para o anatomista da Pensilvânia, dissecando
amorosamente as entranhas de
Bech.
O livro é esfuziante de bom humor e maus sentimentos: bom humor de Updike, más vibrações de
virtualmente todo mundo, especialmente os autores, reais e imaginados, em sua luta sangrenta por
fama, fortuna e imortalidade.
"Bech Presides", o conto mais
longo, é um tour-de-force de rivalidade literária, ambientado numa
academia de letras fictícia, sem nada de fictício.
Para quem é membro da Academy of Arts and Letters desde
1976, as ironias e sarcasmos se voltam, presumivelmente, contra ele
mesmo -o "Updike" desprezado
por Bech, um desses autores "vivendo uma vida protegida nos subúrbios, enquanto o centro da cidade da arte vai se desintegrando".
Ficções de ficções se multiplicam
neste, como nos outros contos,
mas o livro está muito distante da
metaliteratura como destino.
Piadas à maneira de Borges (livros imaginários, como a "Nixoníada", sem falar na obra completa
de Bech), ou Calvino (criador e
criatura se esgrimando ao longo
do texto) são incidentais, numa
prosa que deve muito mais às felicidades vocabulares de Nabokov e
às misérias humanas de contemporâneos estimados de Bech, como Saul Bellow e Philip Roth.
O bem-estar da escrita de Updike
é um dos prazeres da nossa vida de
leitor. Cada sentença é um espetáculo, nem sempre acessível ao milagre da tradução.
E cada página guarda sua palavra
rara, cintilando escondida no fundo de um parágrafo: "zombified",
"necktieless", "ligatured", "McDonaldized", "Rothkoesque".
Das agruras de poetas em tempos
de repressão na ex-Tchecoeslováquia às angústias alegres do septuagenário Bech, pai apaixonado
de uma menina de oito meses, passando pelo assassinato de seus críticos e pelas disputas judiciais na
Hollywood dos anos 70, "Bech at
Bay" resume um quarto de século
numa sequência irregular de vinhetas.
Acuado pela literatura e pelos literatos, encurralado no funil dos
anos, acossado pelo desafio da vida
sexual ("centro luminoso de seu
patriotismo americano" e "sugestão da vida eterna"), posto em xeque pela busca do amor, Bech faz o
que pode para chegar à altura do
autor da tetralogia do Coelho ou,
mais recentemente, dos romances
ambiciosos "Na Beleza dos Lírios"
(1996) e "Toward the End of Time"
(1997).
A verdade nas palavras e os limites da experiência, a bravura americana e a nuance da Europa, a finitude de tudo e a transitoriedade, a
comédia da vida e a tragédia da vida, a imitação perfeita de estilos e
vozes e a concentração idiossincrática: navegando com brio entre
tantos portos, tantas vezes visitados, Updike não chega a ser o
Henry James de sua geração, mas é
muito maior do que Henry Bech.
Na vida "aérea e glamourosa da
literatura", ele é um embaixador
da lucidez e das pequenas intensidades.
As comédias de Bech começam
num cemitério em Praga e terminam com um bebê no colo, em pleno pódio da Academia Sueca.
Esse sucesso não é mais comédia
e faz de "Bech at Bay" a narrativa,
não de uma caçada, mas sim de
uma tortuosa, atrapalhada, finalmente abençoada liberação.
²
Livro: Bech at Bay
Autor: John Updike
Lançamento: Knopf
Onde encomendar: livraria Cultura (tel.
011/285-4033 ou www.livcultura.com.br),
Amazon (www.amazon.com)
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