São Paulo, Sábado, 18 de Dezembro de 1999


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SHOW - CRÍTICA
O sertão vai virar mar?

da Reportagem Local

A contar por sua passagem por São Paulo, na quarta e na quinta últimas, a banda de Chicago Tortoise talvez não mereça, mesmo, a alcunha de "pós-rock" que vem sendo frequentemente colada a ela, à revelia.
O termo é fugidio, sim, mas guarda também um tanto de poesia -admitir-se pós-rock (eles não se admitem, perceba) é admitir em alguma instância o rock como passado, datado, quem sabe morto. Mas Tortoise vem dizer que o rock não morreu. Não é tanto uma banda de pós-rock como uma banda de rock, em si, propriamente dita.
Que modelagem de rock? Aí a coisa complica. Nos círculos repetitivos e monótonos do show, todo calcado no álbum "TNT" (98), às vezes parecem fazer rock tipo lounge, de elevador, infanto-juvenil, rock para dormir (para dormir? pós-rock?). Na maior parte do tempo, o que parece mesmo é jazz-rock, coisa temerosa que Sting já transformou em técnica de tortura.
Sendo jazz-rock -não há vocais, nunca; só os seis bons músicos fazendo rodízio entre vários instrumentos- , evocam, e isso tem sido comum neste fim de século (pense em Radiohead, Spiritualized...), o fantasmão insone do rock progressivo.
O que tudo isso quer dizer? Que, sim, às vezes é melancólico, chato, insistente. Mas, na mesma proporção, é bonito, impactante -especialmente na longa "TNT", romântica, quase sonhadora -opa, se cabe romantismo não é pós-rock.
Durante "TNT" acontece de tudo -ela lembra faroeste, Ennio Morricone, Hollywood; tem clima, é noir; um disco voador parece fraturá-la, descendo enquanto o tema se corta em dois.
De repente Tortoise evoca Joy Division, depois "Cai, Cai, Balão" (em "The Suspension Bridge at Iguazú Falls"), de novo faroeste... É recombinação genética, a construção do Frankenstein -é, deve ser pós-rock.
Ah, e eles gostam do Brasil e da música brasileira, e então você fica a procurar referências -muita percussão, um samba duro aqui, uma bossinha ali, chocalho e pandeiro, cataratas do -!!!!- Iguazú... Então entra Tom Zé, a consumação da globalização, músico magro e maldito do Terceiro Mundo sendo secundado por seis rapagões caídos da civilização.
Tortoise se converte, de repente, em bandinha de coreto do sertão nordestino, e Tom Zé e o maluquíssimo Jarbas Mariz são secundados pela banda virtuosa que nunca tiveram.
Tom Zé se esbalda, critica o "analfabetismo fonético" do Primeiro Mundo (que o chama "Tam Zi"), deixa os meninos tronchos com estripulias incompreensíveis. Tudo bem, a gente também não entende esse negócio de pós-rock. Mas que parece que o sertão vai virar mar, ah, parece.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


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